quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Leitura de documentos em plenário


Uma questão sempre controvertida no que diz respeito ao Tribunal do Júri é aquela atinente à leitura de documento que não tiver sido juntado aos autos com antecedência mínima de 3 dias úteis, na forma do artigo 479 do Código de Processo Penal. A pergunta que não quer calar é: quais são os documentos compreendidos por essa proibição?
O citado artigo proíbe a leitura de jornais, ou qualquer outro escrito, bem como a exibição de vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui ou qualquer outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados. Aparentemente, portanto, a proibição é bastante ampla.
O Recurso Especial n.º 1303548/ES, que me chamou a atenção para o tema, trata de um caso em que o juiz presidente impediu a defesa de exibir ao Conselho de Sentença obra doutrinária de medicina legal, tendo o Desembargador convocado Adilson Vieira Macabu concluído que houve cerceamento de defesa, ficando, contudo, vencido.
Para Greco Filho "É permitida a leitura ou exibição de textos ou materiais genéricos, exemplificativos, tais como livros de doutrina ou modelos. Nada, porém, relativo ao fato concreto que esteja sendo julgado, salvo conhecimento da parte contrária com a antecedência mínima de 3 dias, a fim de que possa aquela produzir contraprova".
Parece-me que o legislador, ao referir-se a documentos e objetos, tratou de provas e de meios de prova. Considera-se prova todo meio destinado a convencer o juiz a respeito da verdade de uma situação de fato, e os meios de prova são instrumentos pessoais ou materiais aptos a trazer o processo a convicção da existência de um fato.
Um artigo publicado, contendo a opinião de um perito a respeito de um caso de homicídio, não pode ser lido no plenário de julgamento deste mesmo caso, sem que tenha sido encartado aos autos com a antecedência prevista em lei. Entretanto, o mesmo não se aplica a artigos ou livros que tratem do homicídio genericamente.
Obras doutrinárias, em regra, não constituem provas ou meios de prova, e tampouco podem ser objeto de contraprova, ficando, portanto, excluídas dessa proibição. Não fosse assim, ter-se-ia que exigir que as partes apresentassem, por escrito, com antecedência, um resumo da sustentação oral que pretendessem realizar.
É perfeitamente admissível que as partes se utilizem de uma obra para criticar o laudo oficial. Não se trata de um parecer sobre o caso concreto, ou de um novo laudo pericial, mas de textos públicos, acessíveis a quem quer que seja e, pode-se dizer, de conhecimento obrigatório para aqueles que se propõe a atuar em plenário.
Não é preciso juntar aos autos cópias de compêndios de medicina legal para que se possa afirmar para os jurados, por exemplo, que o formato da lesão descrito no laudo oficial não é compatível com uma faca. A proibição abarca, apenas, provas e meios de prova cujo conteúdo verse especificamente sobre a matéria de fato em discussão.
Sobre o tema, bem ensina Mossin que "Diante deste conteúdo normativo, por exemplo, se o documento ou o jornal não contiver em seu bojo matéria relacionada com o delito e seu autor, nada mais evidente que não há necessidade daquela comunicação prévia, podendo a parte livremente proceder a sua leitura livremente no plenário".
E continua o mesmo autor "Sem dúvida, no que tange ao uso de gráfico, não há proibição legal a respeito, podendo, desta forma, a parte utilizá-lo em plenário; bem como não há vedação legal a respeito, podendo, desta forma, a parte utilizá-lo em plenário, bem como não há vedação legal quanto à leitura de livro em plenário".
A intenção do legislador, segundo Magarinos Torrres, foi evitar "a confusão, a deslealdade infligida a uma das partes pela exibição de documento novo em plenário". Não pode a acusação, nessa esteira, exibir, de surpresa, uma carta em que a vítima narrava sentir-se ameaçada pelo réu, ou a defesa exibir algo que isente o réu.
Certa feita presenciei a acusação pedindo para que um policial militar, arrolado como testemunha, explicasse para os jurados como funciona uma arma de fogo e que é preciso imprimir força ao gatilho para que ocorra um disparo. Ora, isso deveria ter sido objeto de quesitos destinados ao Instituto de Criminalísticas, antecipadamente.
O policial, além de não ser perito oficial, foi usado pela acusação para trazer aos autos, de surpresa, um dado que não constava no laudo pericial. Também presenciei um julgamento em que a filha da vítima, durante o depoimento, tirou do bolso uma carta em que a mãe deixou assentado que, se acontecesse o pior, o culpado seria o réu.
Ouvi um colega dizer que nenhum tipo de documento poderia ser lido sem que tenha sido encartado aos autos com a antecedência prevista em lei. Ele se referia a matérias jornalísticas envolvendo inúmeros assassinatos de policiais. A meu ver, essa opinião não procede, de modo que tais matérias poderiam ser lidas em plenário.
Absolutamente tudo o que diz respeito aos debates em plenário deve ser interpretado à luz da Constituição Federal, por constituir o Tribunal do Júri uma garantia individual, dando-se especial ênfase ao princípio da plenitude de defesa. Sendo assim, criar obstáculos que a lei não prevê equivale a cercear o sagrado direito de defesa.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Recorrendo em busca da prescrição


Não vou me apegar aqui à discussão no que toca às espécies de prescrição, tampouco às questões polêmicas concernentes ao tema. Pretendo apenas tecer algumas linhas a respeito da busca pela prescrição da pretensão punitiva enquanto linha de defesa, principalmente nos Tribunais, destacando, desde logo, que essa busca nem sempre alcança os resultados pretendidos, que dependem de muitos fatores.
Sabe-se que, após a prolação da sentença condenatória, a prescrição da pretensão punitiva passa a ser regulada pela pena aplicada e não mais pela pena máxima prevista em lei. Ou seja, se um indivíduo, por exemplo, for condenado à pena de 02 (dois) anos de reclusão, a prescrição da pretensão punitiva verificar-se-á em 04 (quatro) anos. A prescrição conta-se a partir da publicação da sentença.
Em face da sentença condenatória, pode a defesa valer-se do recurso de apelação, apresentando as respectivas razões no Tribunal, de preferência, porque esse procedimento costuma ser mais lento. Julgada a apelação, pode-se interpor, conforme o caso, embargos declaratórios, ou embargos infringentes ou de nulidade, e, na sequência, recurso especial e recurso extraordinário.
Não são poucos os casos em que a Presidência do Tribunal nega seguimento ao recurso especial e ao recurso extraordinário, dando ensejo à interposição do agravo nos próprios autos. Todo esse trâmite demora aproximadamente 01 (um) ano e 06 (seis) meses, podendo-se chegar a 02 (dois) anos ou mais, em caso de remessa dos autos ao acervo. Enquanto isso, estará correndo o prazo prescricional.
Quando o agravo nos próprios autos chegar ao Superior Tribunal de Justiça, o relator poderá dar-lhe provimento, admitindo o recurso especial, poderá julgar desde logo o recurso especial, poderá inadmitir o recurso ou denegá-lo. A decisão monocrática dá ensejo ao agravo regimental e, após o julgamento, pode-se interpor embargos declaratórios, podendo ser cabíveis, ainda, os embargos de divergência.
O recurso extraordinário somente será julgado após o trânsito dos recursos no Superior Tribunal de Justiça, e nada impede que se interponha recurso extraordinário em face do acórdão proferido pelo próprio Tribunal da Cidadania. Reinicia-se então o mesmo trâmite, com o agravo nos próprios autos, agravo regimental e embargos declaratórios, sendo também cabíveis os embargos de divergência.
Os embargos declaratórios podem ser interpostos em face de quaisquer acórdãos, inclusive nos acórdãos que julgam embargos declaratórios anteriores. Pode ocorrer, contudo, de serem os embargos considerados protelatórios, resultando no reconhecimento do trânsito em julgado, em muitos casos, antes mesmo da publicação. Não obstante, esse trâmite também costuma ser muito demorado.
Nos casos em que a prescrição se verifica em 03 (três) ou 04 (quatro) anos, essa hipótese não pode ser descartada como linha de defesa, mas a tendência é que, com a digitalização dos processos nos Tribunais Superiores, isso ocorra cada vez menos. Há casos em que a prescrição deixa de ser reconhecida por uma questão de dias, razão pela qual deve-se aproveitar os prazos recursais.
Imaginem a interposição de um recurso especial no 1.º dia do prazo, que é de 15 (quinze) dias. Caso a prescrição não se verifique por 02 (dois) ou (três) dias, a precipitação na interposição do recurso terá feito toda a diferença. Também é possível, nos Estados, interpor os recursos pelo protocolo integrado, já que a juntada, nessa hipótese, demora mais para ocorrer.
O reconhecimento ou não da prescrição dependerá muito do andamento do processo, que pode demorar mais ou menos, por razões administrativas. Não é possível dizer que a prescrição ocorrerá com certeza, no entanto, como já dito, não se deve rechaçar essa linha de defesa. O Estado tem o dever de julgar em um prazo razoável, enquanto a defesa pode valer-se de todos os recursos cabíveis.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O habeas corpus e a razoável duração do processo


Pode-se dizer que, pelo menos na grande maioria das comarcas do interior do Estado de São Paulo, a tramitação processual passou a ser mais célere após as alterações na legislação processual penal, atendendo ao mandamento contido no Pacto de São José da Costa Rica e na Constituição Federal, de acordo com o qual o indivíduo tem o direito de ser julgado em prazo razoável. Isso é louvável, mas é uma pena que, na prática, não se aplique ao habeas corpus.
É muito comum que o julgamento de um habeas corpus demore mais que o julgamento da ação penal, o que traz enorme prejuízo para o acusado. Levando em consideração que o writ impetrado em face do indeferimento de liminar não é visto com bons olhos pelos Tribunais Superiores, fica o indivíduo, muitas vezes, impossibilitado de alcançar a jurisdição do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, antes da prolação da sentença.
Isso porque, em sede de sentença, deve o magistrado decidir, fundamentadamente, a respeito da decretação ou da manutenção da custódia cautelar. De acordo com a jurisprudência, a sentença constitui um novo título judicial, que substitui o decreto anterior de prisão preventiva, de sorte que o julgamento do habeas corpus impetrado em face dessa primeira decisão fica prejudicado. Não obstante, é um absurdo que o julgamento do writ demore tanto.
O remédio heroico deve ser célere, na medida em que visa assegurar a liberdade de locomoção. Tanto a legislação processual penal quanto os regimentos internos dos Tribunais preveem um julgamento rápido, mas não é isso o que se observa na prática, lamentavelmente. Parece até mentira, mas o habeas corpus chega a demorar mais de 02 (dois) anos para ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, e o Supremo Tribunal Federal, muitas vezes, finge que não vê.
Num caso como esses, impetrei habeas corpus junto ao Supremo Tribunal Federal, arguindo excesso de prazo no julgamento do writ pelo Superior Tribunal de Justiça e negativa de prestação jurisdicional. O que me chamou a atenção foi que o relator, um dos Ministros mais indulgentes e piedosos no caso do "Mensalão", denegou a ordem, entendendo que o prazo superior a 02 (dois) anos é aceitável. O meu cliente pagou o preço por não ser o José Dirceu.
A decisão foi monocrática, então interpus agravo regimental, ao qual foi negado provimento, ficando vencido o Ministro Marco Aurélio, que entendeu inaceitável um habeas corpus demorar anos para ser julgado. Com a recente nomeação do Ministro Barroso, interpus embargos declaratórios, alimentando um último fio de esperança. Em caso de eventual empate, a ordem será enfim concedida, mas presumo, um tanto quanto pessimista, que isso não ocorrerá.
Até entendo que a quantidade de processos em trâmite é altíssima e que o habeas corpus acaba sendo banalizado, mas quando se trata de uma pessoa presa em busca de sua liberdade, não há o que justifique essa morosidade. O pior é lembrar que um certo banqueiro foi beneficiado, no Supremo Tribunal Federal, com duas liminares em menos de 48 (quarenta e oito) horas. O meu cliente, coitado, também pagou o preço por não ser um renomado e influente banqueiro.
Rebatendo as críticas, vão escolher a dedo algum habeas corpus manuscrito por um preso em papel de pão e dizer que todos, indistintamente, têm acesso à justiça. É mais uma grande mentira, um enorme engodo. Fico pensando na situação de milhares de indivíduos abandonados no cárcere, sem nenhuma assistência jurídica, e em todos aqueles que, mesmo assistidos, não alcançam socorro no Poder Judiciário, eles são verdadeiramente invisíveis ao sistema.
Deixando de lado o desabafo, fica a dica de ordem prática: em caso de demora no julgamento de habeas corpus, não há outra saída senão a impetração de novos writs aos Tribunais Superiores, buscando evitar o excesso de prazo e a negativa de prestação jurisdicional. Não significa que isso irá funcionar sempre, mas já há vasta jurisprudência nesse sentido, sobretudo no Supremo Tribunal Federal. O que não se deve fazer é aguardar indefinidamente.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Redução da maioridade penal


Recentemente voltamos, mais uma vez, para a discussão respeitante à redução da maioridade penal. Imediatamente ressurgiram, na imprensa e na política, os defensores dessa medida extrema, influenciados por um caso de repercussão e aproveitando a onda para, num ano que antecede as eleições, requentar esse debate. Diz-se agora que deve ser realizado um plebiscito para resolver a questão. São necessárias, antes de enfrentar o tema, algumas considerações.
Isso porque o artigo 228 da Constituição Federal, como é sabido, considera inimputáveis os menores de 18 anos, que ficam sujeitos às normas da legislação especial. E não é apenas isso: O artigo 3, inciso I, da Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990, prescreve que todas as ações relativas a crianças, levadas a efeito por órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o melhor interesse da criança.
A referida Convenção, em seu artigo 40, inciso 3, alínea "a", também estipula o estabelecimento de uma idade mínima antes da qual se presumirá que a criança não tem capacidade para infringir as leis penais. Nessa esteira, o artigo 104, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente considera penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, nos termos da Constituição Federal e do Código Penal, que também os entende, em seu artigo 27, inimputáveis.
De acordo com o artigo 5.º, § 2.º, da Carta Política, os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Disso extrai-se que, embora o artigo 228 da Constituição não faça parte do Título destinado aos direitos e garantias individuais, contempla sim um direito individual das crianças e adolescentes.
Deve-se ter em mente, na análise da questão, o princípio da dignidade da pessoa humana e a Convenção sobre os Direitos da Criança. Sendo assim, o artigo 60, § 4.º, inciso IV, da Constituição Federal prescreve que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais, que, na esteira da doutrina, constituem verdadeiras cláusulas pétreas, que não podem ser modificadas pelo legislador ordinário.
Nos termos do artigo 2.º da Lei n.º 9.709/1998, o plebiscito e o referendo são consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa e administrativa. Nos termos do § 1.º desse dispositivo, o plebiscito é convocado com anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido. Eis a síntese do que mais interessa.
Considerando que a inimputabilidade dos menores de 18 anos é considerada um direito individual, e que os direitos individuais não podem ser objeto de emenda constitucional tendente a aboli-los, alguns estão sustentando que seria possível a realização de um plebiscito, como forma de manifestação da soberania popular, para alterar essa cláusula pétrea. Essa possibilidade, do ponto de vista jurídico, não resiste à mínima reflexão, como se poderá observar.
Em primeiro lugar, por força da Convenção ratificada pelo Brasil, todas as ações legislativas relativas ao tema devem considerar, primordialmente, o melhor interesse da criança. Em segundo lugar, a Constituição Federal prescreve que a proposta de emenda tendente a abolir cláusulas pétreas não será objeto sequer de deliberação. Tecnicamente, portanto, seria impossível a realização de um plebiscito nesse tocante, em face das violações à Constituição.
É preciso que isso fique claro. Antes de discutir se a redução da maioridade penal é ou não necessária, deve-se ter em mente que isso é impossível, a menos que seja realizada uma nova assembleia constituinte. Em verdade, poderia a discussão encerrar-se por aqui, haja vista que o fato de serem os direitos individuais cláusulas pétreas já seria suficiente para colocar termo a esse debate, autorizando a conclusão de que mentem deliberadamente os seus defensores.
Superado esse ponto, faz-se necessário distinguir a maioridade da responsabilidade. O fato de serem os adolescentes considerados inimputáveis não permite concluir que ficarão impunes caso pratiquem atos infracionais. O Estatuto da Criança e do Adolescente autoriza a aplicação de medidas socioeducativas a partir dos 12 anos, idade em que tem início a responsabilização dos adolescentes. O que acontece é que não são submetidos a medidas penais.
É absolutamente mentirosa a informação segundo a qual o Brasil é um dos únicos países em que a maioridade penal tem início aos 18 anos. Muita gente confunde a maioridade penal com a responsabilidade que, consoante já exposto, no Brasil, tem início aos 12 anos. Na Alemanha isso ocorre aos 14, na Dinamarca aos 15, na Noruega aos 15, na França aos 13, no Japão aos 14, na Itália aos 14, na Espanha aos 14 e em Portugal aos 16, dentre outros que poderiam ser citados.
O Brasil, portanto, é até precoce, na medida em que começa a responsabilizar os adolescentes a partir dos 12 anos, aplicando-lhes medidas socioeducativas como, por exemplo, a advertência, a obrigação de reparar o dano, a prestação de serviços à comunidade, a liberdade assistida, a semi-liberdade e a internação. Mas a maioridade penal, de fato, começa aos 18 anos de idade, oportunidade em que os indivíduos podem ser submetidos a penas.
Em pesquisa realizada pela UNICEF, concluiu-se que a maioridade penal aos 18 anos foi adotada por 42 países, dentre os 54 pesquisados, tal como se verifica na nota emitida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. É o caso, por exemplo, dos seguintes países: Argentina, Áustria, Bélgica, França, Canadá, Dinamarca, Itália, Israel, Noruega, dentre inúmeros outros. Também há países em que a maioridade penal inicia-se em idade posterior.
Como se pode observar na Convenção sobre os Direitos da Criança, a idade mínima estabelece uma presunção de incapacidade para infringir as leis penais. O Código Penal, cabe lembrar, vale-se, nesse tocante, de um critério estritamente biológico e não biopsicológico. Presume-se que os menores de 18 anos não têm capacidade para entender o caráter ilícito de seus atos ou de determinarem-se de acordo com esse entendimento. É, pois, uma presunção!
Não importa se o adolescente, a partir dos 16 anos, pode votar. Ocorre que, por força da Convenção, da Constituição, do Código Penal e do Estatuto da Criança e do Adolescente, presume-se que o menor de 18 anos não dispõe de capacidade para responder penalmente. O adolescente, nessa condição, é considerado como uma pessoa em desenvolvimento, ficando sujeito à doutrina da proteção integral, que visa garantir-lhe o desenvolvimento saudável e a integridade.
A criminalidade tem causas biopsicossociais, ou seja, diversas causas, de ordens biológicas, psicológicas e sociais. As pesquisas envolvendo os adolescentes infratores apontam para uma gritante omissão da sociedade e do Estado no que diz respeito ao tema. Chamam a atenção o número de famílias monoparentais, o número de familiares com doenças mentais e o número de jovens fora da escola. Pergunta-se: O que o Estado está fazendo a esse respeito?
Será que os direitos das crianças e adolescentes assegurados pela Convenção, pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente estão sendo assegurados, como prioridade absoluta? É óbvio que não! A verdade é que o Estado some ao longo da infância e da adolescência desses indivíduos e aparece posteriormente apenas para puni-los, sem que detenha autoridade moral para tanto. Isso me traz à memória a parábola do pastor e das ovelhas.
"Aquele que não entra pela porta do curral das ovelhas, mas sobe por outra parte, é ladrão e salteador. Aquele, porém, que entra pela porta é o pastor das ovelhas. A este o porteiro abre, e as ovelhas ouvem a sua voz, e chama pelo nome às suas ovelhas, e as traz para fora. E, quando tira para fora as suas ovelhas, vai adiante delas, e as ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz. Mas de modo nenhum seguirão o estranho, antes fugirão, por que não conhecem a voz dos estranhos" (João 10.1-5).
O Estado aparece de repente, como um estranho, tentando fazer valer a sua voz, a lei, mas esses adolescentes não conhecem a sua voz, não obedecem à sua voz. Essa parábola, aliás, poderia substituir tudo o que até aqui fora escrito, sem mais nada a acrescentar. De todo o exposto, fica o destaque maior para o fato de ser a inimputabilidade dos menores de 18 anos uma cláusula pétrea, porque isso, como já dito, é suficiente para obstar o ânimo dos entusiastas, que vêem na redução da maioridade uma fórmula mágica.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Advogados comentaristas: pode isso?


Sempre que algum crime repercute na imprensa, a mídia busca a opinião de especialistas, que aceitam a incumbência de tecer comentários a respeito do caso, trazendo considerações de ordem teórica e prática. Não vejo nenhum problema nisso, desde que o profissional disponha de embasamento suficiente para desempenhar essa função.
Enquanto a questão se resume ao plano teórico, normalmente os advogados chamados a opinar possuem a bagagem necessária para isso. O problema é que muitos deles, não contentes, arriscam-se a comentar sobre os fatos, mesmo sem ter conhecimento do que se passa nos autos. Como pode um advogado comentar sobre algo que não conhece?
Entretanto, quando a imprensa noticia que um cliente foi denunciado, respondem, de maneira prudente: "Ainda não tivemos acesso ao conteúdo da denúncia, vamos aguardar a citação para nos manifestarmos". Por que demonstram tanto zelo ao tratar dos próprios clientes, enquanto agem imprudentemente enquanto comentaristas?
Isso me chamou a atenção especialmente no caso da chacina da família de policiais militares. Advogados que, sem ter acesso aos autos e aos elementos de prova colhidos pela polícia civil, logo trataram de palpitar, fazendo análises de balística e de criminalística, sem que os laudos periciais estivessem concluídos.
É possível que o advogado, pela experiência, alcance suas próprias conclusões, assim como qualquer pessoa leiga, mas é muito arriscado expor essas opiniões na imprensa, em programas sensacionalistas, questionando a credibilidade do trabalho da polícia. E o pior é que, quando desmentidos, não aparecem para se retratar.
Isso também aconteceu em outros casos de repercussão, chegando a prejudicar o trabalho dos colegas que assumiram o patrocínio das causas. O curioso é que, se fossem eles os advogados constituídos, certamente seriam mais prudentes, tentando, até mesmo, defender aquilo que, segundo seus palpites, parecia indefensável.
Exemplo disso foi o que aconteceu no caso do goleiro Bruno, em que um advogado, numa rede social, apostou caixas de cerveja na condenação, sugerindo que os réus deveriam confessar, e logo em seguida foi contratado para participar da defesa, apagando as postagens. Essas práticas, a meu ver, são incompatíveis com a advocacia.
Cabe lembrar que o advogado, em suas manifestações na imprensa, deve visar objetivos exclusivamente ilustrativos, educacionais ou instrutivos, evitando sempre a promoção pessoal ou profissional, bem como o debate sensacionalista, consoante prescreve o artigo 32 do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Dica de leitura: Eugênio Pacelli


Trago alguns apontamentos a respeito do nosso processo penal, com base na obra de um dos melhores autores da atualidade, que conheci apenas na pós-graduação, como indicação indispensável para todos aqueles interessados em atuar perante os Tribunais Superiores. Eugênio Pacelli é um dos autores mais citados nas Cortes Superiores.
Nessa obra não há repetições e mais repetições de conceitos e citações dos doutrinadores de sempre, mas sim uma reflexão crítica a respeito do processo penal, e talvez seja essa a razão pela qual o livro em comento tenha sido indicado no curso de pós-graduação. O conteúdo da obra é excelente e convida o leitor à reflexão.
Conforme ensina o autor  em seu Curso de Processo Penal, após a vigência das Ordenações do Reino de Portugal, do século XVI ao início do século XIX, a primeira legislação codificada foi o Código de Processo Criminal de Primeira Instância, em 1832, havendo ainda algumas disposições processuais na Constituição de 1824.
O atual Código de Processo Penal data de 1941 e foi inspirado na legislação processual penal italiana produzida na década de 30, durante o regime fascista, marcada por um modelo evidentemente autoritário. Vigorava, na época, o princípio da presunção de culpabilidade, que justificava toda sorte de arbítrios por parte do Estado.
Naquela época o acusado era tratado como potencial e virtual culpado, a tutela da segurança pública prevalecia sobre a tutela da liberdade individual, a busca da verdade legitimava práticas abusivas, o interrogatório, inquisitivo, era meio de prova e não de defesa. Somente na década de 70 algumas regras foram flexibilizadas.
Analisando o contexto em que se deu a criação da nossa atual codificação processual penal, Pacelli não hesita em afirmar que: "[...] a onda policialesca do Código de Processo Penal produziu uma geração de juristas e de aplicadores do Direito que, ainda hoje, mostram alguma dificuldade em se desvencilhar das antigas amarras".
Até a Constituição Federal de 1988 o Direito Processual Penal assentava-se numa perspectiva autoritária, prevalecendo sempre a segurança pública. O Direito Penal, enfatiza o renomado autor, constituía verdadeira política pública. O texto constitucional, por sua vez, instituiu um sistema de amplas garantias individuais.
O processo não podia mais ser visto apenas como veículo de aplicação da lei penal, mas também como instrumento de garantia do indivíduo em face do Estado. Isso porque ao Estado deve interessar, na mesma medida, tanto a absolvição do inocente quanto a condenação do culpado. Esse foi o norte almejado pela Carta Magna.
Nessa esteira, uma vez superada a mentalidade policialesca e afirmada a importância dos direitos e garantias fundamentais, não há como compreender ou aplicar o processo penal sem um enfoque constitucional, embora ainda existam muitos resquícios de autoritarismo tanto na legislação quanto na doutrina e na jurisprudência.
Dia desses mencionei, numa sustentação oral, com base nos ensinamentos de Pacelli e Scarance Fernandes, que o acusado não pode ser obrigado a comparecer ao interrogatório. Um dos desembargadores me deu um sermão, como se eu tivesse sustentado o maior dos absurdos. Este livro me ajudou muito na elaboração do recurso ordinário.
Como destaquei acima, citando o autor da obra indicada, ainda há quem tenha dificuldade em se desvencilhar das antigas amarras. Não obstante, há novos horizontes para aqueles dispostos a repensar o processo penal, e a doutrina de Eugênio Pacelli me parece um ótimo começo, sobretudo quando se pretende atuar nos Tribunais.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Mentiras sobre o auxílio-reclusão


Não trato de questões previdenciárias e não tenho a menor aptidão para isso, mas me incomoda muito verificar que muitas pessoas fazem menção ao auxílio-reclusão, como se fosse um benefício concedido a todos os presidiários, indistintamente, pelo simples fato de estarem encarcerados, fazendo comparações com o valor do salário mínimo. E muitos, sem saber nada sobre o assunto, saem repetindo.
De acordo com a Previdência Social, o auxílio-reclusão é um benefício devido aos dependentes do segurado recolhido à prisão, durante o período em que estiver preso sob regime fechado ou semiaberto. Cabe destacar, também, que os dependentes somente receberão o benefício caso o segurado esteja em dia com as suas contribuições. Portanto, quem nunca contribuiu, não faz jus ao benefício.
Nota-se, em primeiro lugar, que o benefício é pago aos dependentes do segurado encarcerado, que não praticaram nenhum crime e preservam seus direitos mais elementares, tais como o direito à alimentação e à moradia. Vê-se, também, que o auxílio-reclusão não sai dos nossos bolsos, pois somente é devido ao trabalhador que estiver em dia com as suas contribuições até a prisão.
Ninguém recebe uma "bolsa" por estar preso. Os dependentes de pessoas presas que ostentem a qualidade de segurado e estejam em dia com as suas contribuições, receberão um auxílio para que possam sobreviver durante o período de encarceramento, já que o segurado não estará trabalhando e contribuindo com a manutenção do lar. O segurado paga para que, se for o caso, os dependentes recebam.
Não vou me atrever a tecer considerações a respeito da legislação pertinente. Trago apenas alguns apontamentos relativos aos aspectos normalmente discutidos a respeito desse tema. Muita gente repete sem antes se informar, induzindo outras pessoas ao equívoco. Quem recebe o auxílio-reclusão, na grande maioria dos casos, são mulheres e crianças, que dependem disso para sobreviver.  

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Cadeia


Quando me formei e comecei a advogar, esperava ansiosamente pela oportunidade de conhecer uma cadeia. Achava isso meio doentio, até descobrir que outros colegas criminalistas também tinham essa ansiedade. A minha primeira experiência foi em uma pequena cadeia feminina, superlotada e que não contava, na época, com nenhum parlatório.
Cheguei, apertei a campainha e depois de alguns minutos fui atendido. Disse que precisava conversar com uma cliente e pegar a assinatura na procuração, informei o nome da detenta e fiquei aguardando. O carcereiro abriu uma porta de ferro e autorizou a minha entrada, falando o nome da minha cliente para as detentas da faxina.
No local havia um pátio e quatro celas, com muitas roupas e toalhas penduradas, além de um cheiro muito peculiar e indescritível. As celas estavam abertas, com livre acesso ao pátio e apenas uma grade me separava das detentas, que ficavam olhando curiosas. Muitas delas nunca receberam a visita de um advogado.
Expliquei para a minha cliente que havia sido procurado pela família dela, resumi a acusação, pedi para ela me contar o que havia ocorrido e descrevi a linha de defesa que pretendia seguir. Depois de muitas perguntas ela assinou a procuração e eu pude ir embora. Na saída assinei um livro que deveria ter assinado antes de entrar.
Nos Centros de Detenção Provisória e nas Penitenciárias é um pouco diferente. É bom ligar antes para saber se é necessário agendar o atendimento ou não. Objetos de metal e aparelhos celulares devem ser deixados no carro, a não ser que haja armários próprios para isso. Ainda assim, passaremos pelo detector.
Alguns sapatos têm uma haste de metal na sola e isso sempre dá problema, coisa que aprendi depois de muito ficar de meias. Há presídios em que é obrigatória a passagem dos sapatos pelo aparelho de Raio X. O cinto, por conta da fivela, também precisa ser retirado. Toda essa cerimônia é necessária para que possamos entrar.
É comum depararmo-nos com presos circulando livremente pelo local, pois alguns contam com autorização especial para desenvolver determinadas tarefas no presídio. Eu procuro não ficar olhando, mas, quando inevitável o contato, cumprimento e sigo em frente. Ninguém gosta de ser objeto de curiosidade ou de pena.
Depois de algumas trancas e portões, chega-se ao parlatório. Quando ainda não conheço o cliente e há vários presos no local, chamo pelo nome e ele se aproxima. Às vezes há, além de grades, vidros, que dificultam a comunicação, principalmente porque os interfones quase nunca funcionam. Isso prejudica muito o atendimento.
Costumo levar um cartão meu para o cliente, mesmo ciente de que em muitos presídios os funcionários não permitem que o preso leve objetos para os raios, pois também há presídios em que um cartão não é problema. Quem estiver sem paciência para esperar deve evitar o horário do almoço, pois sempre demoram para trazer o preso.
Em dias de blitz ou de "bate piso" também costuma demorar. O "bate piso" é um procedimento realizado pelos agentes penitenciários para verificar se os presos estão cavando algum túnel. Nesse procedimento eles andam por todo o presídio batendo barras de ferro no chão, para verificar, pelo barulho, se o solo está oco.
Hoje, sinceramente, não gosto de frequentar a cadeia. Prefiro reservar um único dia para conversar com todos os clientes, ao invés de passar por isso várias vezes, a não ser em casos emergenciais. O clima tenso e carregado, a demora e os procedimentos de segurança acabam se tornando cansativos e estressantes.  

sexta-feira, 26 de abril de 2013

O primeiro júri


Fiz um post sobre o meu primeiro flagrante e não poderia deixar de lado o meu primeiro júri. Não pretendo tratar a respeito da preparação, pois já escrevi a respeito desse tema numa outra postagem. Apenar narrarei o que aconteceu, de maneira bem resumida, dando uma ênfase especial à produção da prova pela defesa, já que isso, no meu caso, fez toda a diferença em meu primeiro júri.
Fui nomeado por força do convênio de assistência judiciária gratuita para defender um desafortunado que foi denunciado pelos crimes de ameaça e tentativa de homicídio qualificado pelo motivo torpe. De acordo com a denúncia, ele havia ameaçado a ex-companheira num sábado à noite e, no domingo, desferiu 09 (nove) facadas na mesma, porque esta recusou-se a "retirar a queixa" registrada.
Acompanhei o processo desde o início e logo percebi que o motivo apontado na denúncia estava errado, já que o acusado, em verdade, estava desconfiado de que a ex-companheira estava tendo um caso com o próprio genro. Optei por trazer à tona o verdadeiro motivo do crime somente no júri, razão pela qual orientei o acusado a manter-se em silêncio quando de seu interrogatório na audiência de instrução.
A materialidade e a autoria eram indiscutíveis e ele foi pronunciado. Como ele estava preso, não recorri, para que o julgamento não demorasse a acontecer. Eu previa que, na data do julgamento, ele já estaria preso provisoriamente há aproximadamente 01 (um) ano e 03 (três) meses aproximadamente, e eu sabia que isso seria levado em consideração na fase de dosimetria.
No dia do julgamento, por conta das recusas imotivadas, o Conselho de Sentença foi formado por 05 (cinco) homens e 02 (duas) mulheres. Na instrução, busquei enfatizar o verdadeiro motivo do crime, deixando claro, através das testemunhas e do interrogatório do réu, que o antecedente psíquico da ação havia sido o ciúme e não o fato de a vítima ter se recusado a "retirar a queixa".
A acusação, percebendo isso, pediu a exclusão da qualificadora em sua sustentação, de modo que chegamos a uma tese comum, já que era isso o que eu queria. Expliquei aos jurados que o motivo descrito na denúncia estava errado e que o ciúme não configura motivo torpe, valendo-me, para tanto, da doutrina e da jurisprudência. Os jurados acolheram a tese comum e afastaram a qualificadora.
O réu tinha uma condenação por porte de drogas para consumo pessoal, duas condenações por porte de arma e duas condenações por furto, contava, portanto, com maus antecedentes e ainda era reincidente. Acabou condenado a 04 (quatro) anos e 03 (três) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, restando-lhe cumprir aproximadamente 07 (sete) meses de pena antes de ser libertado.
Muitos imaginam que o júri se resume aos debates e se esquecem da produção de provas. O advogado tem a obrigação de produzir as provas que confirmem as teses defensivas, ao invés de ficar esperando a acusação produzir as provas desfavoráveis para então criticá-las. Não basta atacar as provas de acusação, é preciso produzir as de defesa, no afã de convencer os jurados também pelo conteúdo.
A instrução em plenário teve um papel fundamental. Do contrário a acusação certamente teria sustentado a qualificadora do motivo torpe e então teríamos um crime hediondo, com progressão de regime em 3/5 para o réu reincidente, e com pena mínima de 12 (doze) anos. Portanto, não basta se preparar apenas para os debates, pois o resultado pode ser decidido muito antes, na instrução.
Também é preciso ter sensibilidade para saber qual é o resultado que pode ser obtido. Não adianta sustentar uma tese absurda, implausível. O réu era usuário contumaz de drogas, com péssimos antecedentes, reincidente, ameaçou a vítima de morte e, pelo que se apurou, tentou cumprir a ameaça no dia seguinte, diante de testemunhas. Concluo que o afastamento da qualificadora ficou de bom tamanho.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Pela ordem, Senhor Presidente!


O advogado tem o direito de usar a palavra, pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal, mediante intervenção sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, documentos ou afirmações que influam no julgamento, bem como para replicar acusação ou censura que lhe forem feitas, nos termos do artigo 7.º, inciso X, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.
Recentemente, no julgamento de uma apelação, após a sustentação oral, o Procurador de Justiça fez uma série de adjetivações à defesa e mentiu descaradamente, fazendo afirmações que não encontravam arrimo nos autos. Quando ele terminou, pedi a palavra, pela ordem, para esclarecer algumas questões de fato, mas o pedido foi arbitrariamente indeferido pelo Desembargador Presidente.
Sua Excelência argumentou que a minha oportunidade de manifestação havia se esgotado na sustentação oral e que eu não poderia falar. Insisti, dizendo que se tratava de uma prerrogativa profissional, assegurada por Lei Federal, e aproveitei para falar o que queria mesmo diante do indeferimento da questão de ordem. Ao final, os advogados presentes estavam inconformados.
Jovens advogados, não se deixem intimidar diante da arbitrariedade. Saibam fazer valer as suas prerrogativas profissionais e peçam para consignar em ata o indeferimento da questão de ordem. Aqueles que agem dessa forma costumam ser firmes, às vezes até ríspidos, como se efetivamente estivessem com a razão, esperando que o advogado sinta-se intimidado e recue imediatamente.
Não acredito que o Eminente Desembargador desconheça o Estatuto da Advocacia e estou certo de que, pela experiência, sabe muito bem que é possível pedir a palavra pela ordem para esclarecer questão de fato. A única explicação é o arbítrio, a prepotência, a arrogância. Isso, infelizmente, ainda é muito comum, tanto na primeira instância quanto na segunda, mas o advogado não pode quedar-se inerte.
Quanto ao referido Procurador de Justiça, acredito tratar-se de uma exceção na segunda instância, com a qual, infelizmente, tive o desprazer de me encontrar em duas oportunidades. Já sustentei oralmente em diversas câmaras e sempre me deparei com Procuradores de Justiça educados, cordiais e íntegros, capazes de manter a compostura e o respeito mesmo discordando veementemente da defesa.
Estamos todos sujeitos a esse tipo de acontecimento, nas audiências, no júri ou nos tribunais. O importante é saber como agir nessas situações, fazendo valer as prerrogativas profissionais do advogado. Lembrem-se sempre de pedir a palavra pela ordem sempre que necessário, nos termos da lei, e de pedir para consignar em ata todos os cerceamentos eventualmente impostos à defesa.

terça-feira, 26 de março de 2013

Estratégia e liberdade


Logo após uma prisão em flagrante, somos tentados pela ideia de pleitear a liberdade do cliente imediatamente, muitas vezes no plantão judiciário. Há casos, entretanto, em que essa estratégia não é a melhor, devendo o advogado aguardar a decisão que converte a prisão em flagrante em prisão preventiva, sobretudo quando se tratar de crimes hediondos e equiparados, ou de crimes de repercussão.
Na grande maioria das vezes os autos já estarão na conclusão, de modo que a juntada da petição acabará atrasando ainda mais a análise pelo juiz. Mas isso é o de menos, se considerado que o juiz, que normalmente se utilizaria de uma decisão padrão, sem nenhuma fundamentação, acabará rebatendo os argumentos da defesa e proferindo uma decisão mais bem fundamentada e difícil de ser derrubada.
O advogado, ciente de que o juiz não costuma conceder a liberdade em casos de crimes hediondos, equiparados ou praticados mediante violência ou grave ameaça à pessoa, tais como o homicídio, o tráfico de drogas e o roubo, deve ter cautela ao optar pelo pedido de revogação da prisão preventiva ou de substituição da prisão por outras medidas cautelares, pois pode estar errando na estratégia.
Recentemente, um indivíduo foi preso em flagrante pela prática de um homicídio e de uma tentativa de homicídio. O juiz, ao analisar o auto de prisão em flagrante, limitou-se a converter a prisão em flagrante em preventiva, valendo-se de uma decisão genérica, sem lastro em fatos concretos. Optamos, na ocasião, por impetrar habeas corpus imediatamente, atacando a ausência de fundamentação da decisão.
No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo a ordem foi denegada. Impetramos habeas corpus substitutivo de recurso ordinário no Superior Tribunal de Justiça e a liminar foi concedida, em virtude da ausência de fundamentação apontada pela defesa. Um pedido de liberdade na primeira instância poderia ter colocado tudo a perder, já que o juiz poderia corrigir a decisão anterior.
Outra opção seria impetrar o habeas corpus e, após o recebimento das informações enviadas pela primeira instância, pleitear a liberdade perante o juiz, mas somente quando houver chance de êxito. Não se espera que o advogado, ciente de que um novo juiz aportou na comarca com uma visão mais garantista, mantenha-se inerte. De qualquer sorte, a estratégia depende muito do caso concreto.
Como já destacado em outro post, a fundamentação das decisões é levada em consideração nos Tribunais Superiores, que dão muita atenção à questão. Um pedido de liberdade precipitado pode permitir que o juiz complemente a decisão anterior, rebatendo os argumentos da defesa e produzindo uma decisão fundamentada e consistente. Mas isso não se aplica, a toda evidência, aos crimes menos graves.
Em casos de furto, estelionato, porte de arma e receptação, por exemplo, sendo o cliente primário, deve o advogado pleitear a liberdade, juntando documentos que comprovem ocupação lícita e residência fixa. O habeas corpus imediato aplica-se apenas aos casos em que o advogado tem a certeza de que o pedido de liberdade seria indeferido, dependendo do caso concreto e do juiz competente.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Vedação ao habeas corpus substitutivo


Após a recente guinada no posicionamento do Supremo Tribunal Federal, os Ministros do Superior Tribunal de Justiça passaram a não conhecer os habeas corpus impetrados em substituição a outros recursos. Entendo que esse posicionamento limita o texto constitucional e fere de morte o mais importante dos remédios constitucionais. Estão tentando dar juridicidade a uma opção administrativa.
A Administração Pública sobrecarrega o Poder Judiciário com enxurradas de ações e recursos, mas quem acaba pagando a conta é o indivíduo. Até mesmo os Ministros mais garantistas estão aderindo ao referido posicionamento, colocando em risco direitos e garantias fundamentais, como se isso fosse resolver os problemas do Judiciário. A pergunta é: Diante dessa situação, o que fazer?
Após o julgamento do habeas corpus nos Tribunais de Justiça, regra geral, a defesa será obrigada a aguardar a publicação do acórdão para interpor recurso ordinário, aguardando então a juntada, a apresentação de contrarrazões e a remessa ao Tribunal Superior. Todo o processamento do recurso ordinário pode demorar muito tempo, submetendo, sobretudo os réus presos, a um gritante constrangimento.
Vislumbro duas opções: a) impetrar habeas corpus substitutivo de recurso ordinário mesmo assim; b) ajuizar medida cautelar, nos termos da legislação processual civil e do regimento interno dos Tribunais. As duas medidas propostas podem ser adotadas em conjunto, mormente quando se pretende a concessão de uma liminar, e o recurso ordinário também deve ser interposto após a publicação.
Não podemos deixar de impetrar o habeas corpus, até mesmo para que esse posicionamento possa ser alterado, e a medida cautelar funciona como precaução, caso o habeas corpus não seja sequer conhecido, principalmente quando se pretende a concessão de uma liminar. Penso que, em termos processuais, são essas as medidas cabíveis, e disso já se pode extrair que o tiro saiu pela culatra.
Ao invés de receber um único habeas corpus, os Tribunais abriram as portas para um habeas corpus, uma medida cautelar e um recurso ordinário. Ou será que esperam que o indivíduo preso aguarde pacientemente o processamento e o julgamento do recurso ordinário? Até lá já haverá sentença na primeira instância e o recurso será julgado prejudicado, sujeitando o indivíduo a novo constragimento.
A lei que cuida do mandado de segurança vedou expressamente o mandamus quando for cabível recurso. A Constituição e o Código de Processo Penal não impõe nenhuma vedação dessa natureza ao writ, limitando-se a prescrever que conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.
Utilizar a suposta racionalidade do sistema recursal para mitigar um remédio constitucional previsto dentre os direitos e garantias fundamentais do indivíduo, ignorando toda a história do instituto, é uma aberração. Deveriam simplesmente assumir que se trata de uma opção administrativa, ao invés de tentar justificar esse absurdo. Acredito que, num futuro próximo, sentirão vergonha disso.
Num momento em que se fala na máxima efetividade dos direito e garantias fundamentais, num processo penal constitucional, em garantismo, o Brasil assiste impassível ao mais recente e descarado ataque à democracia. Ao invés de diminuir garantias, o ideal seria aumentar o número de Ministros, assessores e serventuários. Talvez não seja o suficiente, mas já seria um ótimo começo.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Agravo nos próprios autos


Até pouco tempo atrás, era cabível o agravo de instrumento em face da decisão que nega seguimento ao recurso especial ou ao recurso extraordinário. Com o advento da Lei n.º 11.322/2012, contudo, passou a ser cabível o recurso chamado de "agravo nos próprios autos". Surge uma questão: Faz-se necessária, ainda, a indicação das peças obrigatórias e facultativas para a formação do instrumento?
Considerando que a indicação de peças era exigida justamente para a formação do instrumento, entendo que, em face da remessa do agravo nos próprios autos, não persiste a necessidade de indicação. Insta salientar que já há decisões nesse sentido no Superior Tribunal de Justiça, corroborando o entendimento ora sustentado. Apenas porque oportuno, destacarei um desses precedentes.
No Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n.º 1.417.44s/BA, relatado pela Ministra Maria Thereza de Assis Moura, a 6.ª Turma decidiu que não há mais que se falar em instrumento, pois o recurso será interposto nos próprios autos, os quais subirão com todas as peças, mostrando-se, portanto, despicienda a juntada de cópias, porquanto as peças originais subirão juntamente com os autos.
Cuidava-se, naquele caso, de um agravo de instrumento interposto antes da Lei n.º 11.322/2012, com deficiência na formação do traslado. Ficou decidido que a referida lei não poderia retroagir, com amparo no princípio tempus regit actum. Salta aos olhos, portanto, que não se pode exigir a indicação de peças para a formação de instrumento, haja vista que o recurso subirá no bojo dos autos.  
Quando da interposição do recurso, em face da digitalização dos processos nos Tribunais Superiores, costumo requerer a remessa, nos próprios autos, integralmente digitalizados, ao Tribunal competente. Os autos serão digitalizados no próprio Tribunal de Justiça, ou então serão enviados por meio físico para que sejam digitalizados na instância Superior, com a devolução dos autos à origem.
Ninguém desconhece que os Tribunais Superiores fazem de tudo para não conhecer dos recursos, então é sempre bom manter a cautela e fazer uma pesquisa na jurisprudência, já que são poucos os autores que discorrem a respeito desse tema. De todo modo, caso o agravo nos próprios autos não seja conhecido por conta da não indicação das peças obrigatórias, caberá agravo regimental para discutir a questão.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Pergunta "impertinente", tolerância zero


O juiz, presidindo a instrução, tem o poder de indeferir as provas consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias, conforme prescreve o artigo 400, § 1.º, do Código de Processo Penal. Curiosamente, verifica-se que, na prática, as provas requeridas pela acusação são sempre relevantes e pertinentes, enquanto as da defesa nem sempre merecem o mesmo tratamento por parte do juiz.
Costumo dizer que o advogado, muitas vezes, é como um boxeador que já entra no ringue com as mãos amarradas, para enfrentar um adversário extremamente preparado que conta, quase sempre, com a torcida declarada do árbitro, que em determinados momentos chega até a ajudar o seu favorito, passando uma rasteira ou permitindo um golpe baixo. A batalha é sempre desigual e nós estamos sempre errados.
Parece-me, aliás, que para alguns juízes e promotores o advogado é um ser equivocado por natureza. Mesmo quando nos escoramos na melhor doutrina, na jurisprudência dos tribunais e nos dispositivos legais, não exitam em dizer: "Mas eu entendo que isso não se aplica". Pobres dos advogados que, inseguros diante da firmeza do "Eu entendo", acabam aceitando um erro que não cometeram.
Talvez a norma hipotética fundamental imaginada por Kelsen seja esse "Eu entendo", que se coloca acima da Constituição Federal e da legislação infraconstitucional. Estamos sempre equivocados e nossas perguntas são, em sua grande maioria, ao que tudo indica, impertinentes. Antes mesmo de abrirmos a boca, brada o Magistrado: "Indefiro, impertinente". A nossa verdadeira sina é a impertinência.
Há quem insista em "pegar no pulo" a testemunha mentirosa, justificando a pertinência da pergunta, mas a justificativa serve, regra geral, como advertência à testemunha mal intencionada, que acaba se esquivando. Preparar as perguntas com antecedência, colocando-as numa ordem lógica, pode ajudar muito, mas nem isso é suficiente para evitar que o juiz as considere impertinentes.
A acusação pode fazer perguntas de caráter subjetivo, buscando as impressões pessoais da testemunha, pode induzir às respostas desejadas, pode intimidar o depoente ou refrescar-lhe a memória, lendo depoimentos anteriores, contando, quase sempre, com a complacência do juiz, cabendo à defesa insurgir-se em face dessas práticas rotineiras. Impertinentes, como já dito, são as perguntas da defesa.
É possível minimizar, mas não evitar o indeferimento de perguntas "impertinentes", já que tudo irá depender de um juízo subjetivo por parte do magistrado. Isso pode ser atribuído, em grande parte dos casos, à ordem de realização das perguntas. Apenas para ilustrar, trago uma situação enfrentada por mim recentemente, que pode ajudar os jovens advogados a sofrer menos com a sina da impertinência.
Policiais militares abordaram algumas pessoas que, segundo acreditavam, estavam envolvidas com a prática de golpes numa cidade interiorana. Como essas pessoas eram de fora, imaginaram que poderiam garantir o leitinho das crianças e resolveram praticar uma concussão, conduzindo todos, nas viaturas, até a zona rural, liberando um deles para que fosse até o banco e efetuasse um saque.
Quando a pessoa voltou ao local, trazendo apenas 1/10 do que havia sido exigido, os policiais militares deram voz de prisão em flagrante a todos pela prática dos crimes de corrupção ativa e formação de quadrilha. Como a palavra dos policiais tem muito valor, o delegado de polícia acreditou em tudo e ratificou a voz de prisão. Alguns foram soltos, outros não, mas todos foram denunciados.
Na audiência, tentando provar que houve concussão por parte dos policiais e que os acusados foram levados para a zona rural, um dos advogados, logo de cara, perguntou ao primeiro policial se havia GPS nas viaturas na data dos fatos, mas a pergunta foi considerada impertinente. Ora, qual é a relação entre os crimes de corrupção ativa e formação de quadrilha e a existência de GPS nas viaturas?
Existia uma relação, mas a ordem de formulação das perguntas estava equivocada, de modo que a Magistrada, naquele momento, entendeu que não havia pertinência. De outro lado, o policial percebeu que a história verdadeira viria à tona e já se preparou para as outras perguntas, para que pudesse justificar a ida até a zona rural. O advogado tentou pressionar, achando que o mentiroso se revelaria.
O ideal seria perguntar: A viatura permaneceu no local da abordagem? Por quanto tempo? Foram direto do local da abordagem para a delegacia? Em algum momento os acusados foram conduzidos à zona rural? Isso poderia levar a contradições entre os depoimentos dos policiais e a perícia nos aparelhos acabaria por desmenti-los. Não se deve iniciar as perguntas pelo ponto onde se quer chegar.
Basta ver o que juízes e promotores fazem com os acusados e com as testemunhas de defesa, dando corda até que a pessoa termine enforcada. Um delegado, sabendo que o acusado esteve no local do crime e antevendo um falso álibi, nunca coloca as cartas na mesa logo de cara. Primeiro ele deixa o investigado falar que estava em um local distante com outras pessoas, para depois leva-lo às contradições.
Se o investigado souber, desde o início, que o falso álibi foi rechaçado pela perícia, por exemplo, é evidente que tentará achar uma explicação. Difícil é dar uma explicação depois de afirmar que estava em outro lugar, e as contradições sempre pesam muito contra o investigado. Isso também se aplica às testemunhas mentirosas, que gostam tanto de falar, são tão eloquentes que acabam tropeçando.
Essas são apenas alguma dicas, mas ainda assim será muito difícil escapar do indeferimento das perguntas sempre "impertinentes" da defesa. O importante é não desistir da luta, independentemente do que aconteça, fazendo valer as nossas prerrogativas e reclamando sempre que necessário, fazendo constar em ata os cerceamentos impostos. O advogado bem preparado não deve se deixar abalar pelo "Eu entendo".

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Pós-graduação


O mercado de trabalho está cada vez mais competitivo, o que leva muitos advogados a partirem para um curso de pós-graduação logo após o término da graduação. Há quem imagine que um certificado ou um diploma a mais funcione como um trampolim para a carreira que se inicia. No que diz respeito à advocacia criminal, entendo que é preciso ter cautela antes de ingressar desesperadamente nessa busca.
Inicialmente cumpre lembrar que há duas modalidades de pós-graduação: lato sensu e strictu sensu. De acordo com o Ministério da Educação, as pós-graduações scrictu sensu compreendem programas de mestrado e doutorado, conferindo diploma ao final do curso, enquanto as pós graduações lato sensu abrangem programas de especialização, com duração mínima de 360 (trezentos e sessenta) horas.
Diferentemente dos programas de mestrado e doutorado, na especialização o aluno receberá, ao final do curso, apenas um certificado e não um diploma, mas isso é o que menos importa, já que o aspecto mais importante da questão diz respeito às vantagens e desvantagens práticas inerentes à opção por um curso de pós-graduação. São apenas algumas peculiaridades que precisam ser conhecidas.
A menos que o profissional tenha estagiado na área por um bom tempo e seja efetivado ao final da graduação, tendo a certeza de que pretende seguir na advocacia criminal, considero um erro ingressar na especialização imediatamente. O ideal é que o profissional decida, sem que haja espaço para dúvidas, que está disposto a se aprofundar na matéria e exercer a advocacia criminal.
É importante lembrar também que tais cursos demandam tempo, dedicação e dinheiro, e que este último requisito, na grande maioria das vezes, não surge imediatamente após a obtenção da carteira de advogado. Caso não haja um "paitrocínio", me parece arriscado assumir uma dívida antes de alcançar maior estabilidade na profissão. Um curso de especialização não garante emprego para ninguém.
De todo modo, quando não mais houver dúvida vocacional e for alcançada alguma estabilidade, pode o advogado pensar em ingressar na especialização. Considero que a pós-graduação lato sensu é suficiente para aprofundar os conhecimentos do advogado, ensinando-o a pensar o direito e não apenas a repetir o que dizem os doutos. As discussões são extremamente proveitosas e fogem do raso.
Em relação aos programas de mestrado e doutorado, segundo me foi dito por professores da especialização, é preciso dispor de muito mais tempo, dedicação e dinheiro. Além disso, tais programas voltam-se muito mais para pretensos professores do que para advogados. Quem não tem a intenção de lecionar pode deixar de lado o mestrado, ou esperar um pouco mais para ingressar no curso.
É muito difícil conciliar o início de carreira na advocacia com um curso denso como o mestrado. Audiências, prazos, julgamentos e clientes podem atrapalhar os planos até mesmo do mais dedicado dos estudantes. No meu caso, por exemplo, optei por priorizar a advocacia, adiando o ingresso no mestrado por tempo indeterminado, mas é evidente que cada pessoa tem as próprias prioridades.
Particularmente, acredito que deixar a advocacia de lado neste momento, dando maior importância para um curso de pós-graduação strictu sensu, não me traria tantos benefícios quanto investir na consolidação da carreira e no escritório. Um diploma a mais na parede não garante nada e há muitos experts que nunca colocaram a barriga no balcão. A advocacia, como sempre digo, vai muito além da ciência.
Admiro e respeito aqueles que conseguem conciliar as duas atividades logo no início da carreira com êxito, mas já cansei de ver cientistas fracassando na advocacia. Até porque a teoria, muitas vezes, não se aplica na prática. O mesmo não se aplica, evidentemente, àqueles advogados já renomados e estabilizados na profissão que optam por alçar vôos mais altos no mundo acadêmico do direito.
É ingenuidade supor que um diploma alavanca a carreira da noite para o dia, mas não ignoro que existem exceções. De todo o exposto, concluo que a especialização é fundamental, desde que exista a certeza de que se pretende seguir na advocacia criminal, mas que o ingresso em programas de mestrado e doutorado  exige maior cautela. Tudo irá depender, obviamente, das prioridades de cada pessoa.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Honorários advocatícios


Todo advogado recém formado vive um drama quando se depara com os primeiros clientes: quanto e como cobrar pelos serviços? Logo de início, cabe frisar que a Ordem dos Advogados do Brasil disponibiliza uma tabela de honorários, que é atualizada anualmente. Recomenda-se que nenhum advogado aceite honorários em patamares inferiores aos estabelecidos na referida tabela, mas isso é questionável.
Não vou perder tempo discutindo a respeito disso, mas duvido muito que os ferrenhos defensores desse atentado à livre concorrência cobrassem altos honorários logo no início de suas carreiras. De todo modo, o que se costuma dizer é que a aludida tabela funciona apenas como uma referência e não como um modo de estabelecer um valor mínimo para a cobrança de honorários pelos advogados.
Há evidentes interesses em jogo. De um lado, bancas consolidadas e inseguras, que defendem a democracia e o acesso à justiça, mas temem a livre concorrência, e de outro jovens advogados que precisam começar a trabalhar. É ridículo imaginar que um pretenso cliente aceitaria, de bom grado, pagar a um recém formado o mesmo que pagaria a um profissional de renome. É inegável, o mercado funciona assim.
O advogado deve saber dar valor aos seus serviços, levando em consideração o conhecimento amealhado, a experiência, os investimentos realizados, as despesas do escritório, a complexidade da causa, as condições financeiras do cliente, o tempo a ser despendido, etc. Assim, certamente perceberá que não compensa aceitar quantias irrisórias, por mais que pareçam tentadoras.
Também é interessante estabelecer metas e fixar os honorários de acordo com as metas a serem alcançadas. Outra ideia é criar uma tabela própria, estipulando valores mínimos para cada tipo de serviço. Pode-se flexibilizar a forma de pagamento, mas o valor mínimo deve ser mantido, até mesmo para que seja possível manter um padrão. Cada um deve encontrar a melhor forma de negociar com o cliente.
Não adianta cobrar honorários vultuosos e, durante a negociação, abrir mão de quase tudo, pois o cliente pode pensar que estava prestes a ser enganado. O advogado não deve iniciar uma negociação sem saber o quanto pode ceder, tendo como referência um valor mínimo. Também é preciso tomar cuidado para não cobrar muito pouco e depois descobrir que poderia ter cobrado muito mais.
A consulta é essencial quando se trata de cobrar pelos serviços a serem prestados. Normalmente o valor da consulta já funciona como um filtro, pelo qual só passarão aqueles que, em tese, terão condições de arcar com os honorários, já que aqueles que não puderem pagar dificilmente teriam condições de cumprir a futura avença. É o momento, também, de conhecer as condições financeiras do cliente.
O contrato de honorários deve ser bem elaborado em todos os aspectos, mas os valores e a forma de pagamento merecem uma atenção especial. Não são raros os casos em que o advogado acompanha todo o processo, obtém êxitos, mas nunca recebe pelos serviços, o que deve ser considerado quando da fixação da forma de pagamento. O advogado não vende os resultados, mas sim os seus serviços.
Há também casos em que o cliente, enquanto está preso, contrata um pacote abrangendo a defesa no processo e eventuais recursos, mas, após ser colocado em liberdade, some sem deixar nenhum vestígio, dificultando até mesmo a renúncia por parte do profissional, ou então simplesmente deixa de pagar os honorários pactuados. Nada impede que a contratação seja realizada por etapas.
Não se deve começar a trabalhar, ou continuar trabalhando, sem receber. Aliás, pode-se dizer que no início da carreira o mais difícil não é ser contratado, mas sim receber os honorários avençados. Essa é a razão pela qual a forma de pagamento conta muito quando da estipulação dos honorários advocatícios. Pode-se ser mais flexível diante de um pagamento à vista ou de uma boa  entrada.
Eu costumo utilizar, como fatores preponderantes, a complexidade da causa, a situação financeira do pretenso cliente e a minha própria tabela, criada e atualizada de acordo com as minhas despesas, a minha experiência e os meus conhecimentos. Há clientes que vão atrás do melhor preço, e há aqueles que preferem os melhores advogados. O ideal é alcançar a atenção destes últimos. 
Não tenho a pretensão de criar um manual a respeito do tema, até porque ainda tenho muito o que aprender, mas deixo aqui algumas dicas que considero extremamente úteis para aqueles que se iniciam na profissão. A verdade é que cada advogado, com o passar do tempo, encontrará a melhor forma de cobrar honorários. Concluo apenas que, o que vale para o mercado em geral, vale para a advocacia.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

As verdadeiras funções do cárcere


Segundo afirmam os doutrinadores, a pena de prisão, na sua origem, tinha por objetivo disciplinar certos grupos para o trabalho nas fábricas. É senso comum afirmar que a prisão tem por finalidades a retribuição, como castigo pelo mal praticado, e a prevenção, que se divide em geral e especial, dirigindo-se a primeira a todo o corpo social, como ameaça, e a segunda ao delinquente, para que não volte a praticar crimes. Pergunto: Essa é a realidade?
Conforme ensina Thomas Mathiesen, podem ser atribuídas cinco funções à prisão, já que aquelas tradicionalmente apontadas estão falidas, quais sejam: função depurativa; função de redução da impotência; função diversiva; função simbólica; e a função de demonstrar ação. Discorrerei abaixo acerca de cada uma dessas funções, na perspectiva de divulgar a questão sob um ponto de vista criminológico, que não costuma ser abordado nos manuais convencionais.
Numa sociedade em que a produtividade e a eficiência são fundamentais, deve-se deixar de lado os elementos improdutivos, cercando-os e mantendo-os afastados dos indivíduos produtivos; eis o que se entende por função depurativa. Além de isolar os elementos considerados improdutivos, é importante que sejam esquecidos, reduzidos ao silêncio, sufocando eventuais protestos com mais facilidade, o que se concebe por função de redução da impotência. 
A função diversiva visa chamar a atenção para crimes menos relevantes do ponto de vista da coletividade, que atingem bens jurídicos individuais, majorando-lhes as penas, fazendo com que os crimes verdadeiramente prejudiciais à sociedade, que atingem bens transindividuais (sistema financeiro, meio ambiente, etc), sejam ignorados, deixando livres para atuar os elementos mais perigosos, que enriquecem na mesma medida em que fomentam as desigualdades.
Já a função simbólica busca, por meio da detenção de alguns, demonstrar a infalibilidade da maioria, dando início ao processo de estigmatização, fazendo com que o delinquente continue delinquente. Ao mesmo tempo, a função de demonstrar ação surge como um modo de fazer parecer que alguma coisa está sendo feita, para deixar a impressão de que a  ordem está sendo mantida e que o problema criminal será resolvido, criando uma verdadeira cortina de fumaça.
Temos aqui uma análise relativa às funções da pena de prisão sem utopias e sem hipocrisia. A meta é evidenciar que o sistema penal, tal como se apresenta, está falido e precisa ser repensado com urgência. Trata-se de um simples diagnóstico, de uma constatação que conduz a uma reflexão que deságua, inevitavelmente, na necessidade de se implementar um direito penal diminuído, combatendo as verdadeiras causas da criminalidade.
Em resumo, pode-se dizer que o Estado vale-se da prisão como meio de manter a forma de produção, disfarçando, ou até mesmo ocultando os problemas sociais decorrentes. É evidente o viés sociológico marxista da constatação, o que é próprio da teoria crítica. O advogado criminalista precisa ter consciência do papel que desempenha nesse sistema e da importância da função social que exerce, e isso ajuda muito a aceitar a profissão no plano ético.

Referências bibliográficas:

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 2. ed. rev. atual. e Ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.