terça-feira, 31 de julho de 2012

"Doutor, dei três tiros em um cara".

Amanhecia o dia, o celular tocou e, ao atender, ouvi: "Doutor, dei três tiros em um cara". O meu coração disparou naquele instante e, mesmo não estando calmo, tentei acalmá-lo, pedindo para que me contasse exatamente o que aconteceu. Mas ele ficou ainda mais nervoso, não me contava nada, apenas dizia que não dava para falar por telefone e que queria saber o que deveria fazer.
Perguntei se ele tinha o endereço do escritório e diante da resposta positiva falei para ele ir para lá. Me troquei rapidamente e corri para o escritório. Lá chegando, esperei por alguns minutos e o interfone tocou. Era o pretenso cliente, ainda desesperado. Disse, em síntese, que estava sendo ameaçado e que se antecipou ao seu algoz, desferindo-lhe três tiros diante de testemunhas.
Essas testemunhas residiam no mesmo bairro e conheciam o pretenso cliente e a vítima, o que permitia concluir que ele seria identificado em pouco tempo e que a negativa de autoria seria impossível. Ele já havia dispensado a arma e trocado de roupa, não estava sendo perseguido e já não havia situação de flagrante, contudo, de acordo com o que se vê na prática, se fosse pego seria preso.
Depois de tratar a respeito dos honorários, fui até a delegacia de polícia. Disse que gostaria de tratar a respeito de um homicídio ocorrido horas antes e me disseram que estavam indo cercar a casa do autor. Me apresentei como advogado dele, deixei um cartão com os investigadores e deixei claro que ele queria se apresentar.
Quando isso acontece, na grande maioria dos casos, a polícia prefere aguardar alguns dias para agendar a oitiva do investigado, para que possam ouvir as testemunhas e se preparar para inquiri-lo. Nesse caso, contudo, agendaram a oitiva para o dia seguinte e me disseram que se ele comparecesse não pediriam a prisão temporária.
O rapaz era primário, com bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita. Apresentei-o na manhã seguinte e os policiais logo perceberam que o tal rapaz não era "do crime" e estava disposto a confessar. Também perceberam que a vítima, pelo contrário, tinha vastos antecedentes e era figura conhecida da polícia. Sequer houve pedido de prisão e o inquérito ainda está tramitando.
Apesar da revogação dos artigos 317 e 318 do Código de Processo Penal, a apresentação espontânea ainda é possível e, via de regra, não pode redundar em prisão em flagrante, ainda que aconteça no mesmo dia. Há delegados que prometem não pedir a prisão, mas pedem, assim como há delegados que efetuam a prisão em flagrante mesmo sabendo que não está configurada a situação flagrancial.
É importante conversar com o delegado e com os investigadores, deixando clara a intenção de colaborar e se prontificando a indicar testemunhas. O risco sempre existirá, já que no Brasil, infelizmente, "o direito é aquilo que você pede e o juiz dá", haja vista que o relaxamento da prisão ilegal vem sendo mitigado a cada dia, embora venha a matéria disciplinada na Constituição Federal. O que está na lei, na prática, nem sempre surte o efeito esperado...
Recomenda-se atender aos clientes sempre no escritório. Nos dias de hoje, mesmo para os advogados criminalistas, é muito perigoso aceitar encontrar-se com um pretenso cliente em algum local desconhecido. Numa hora dessas é preciso deixar de lado toda a ganância e agir com prudência. Se a pessoa estiver escondida e não quiser sair, algum familiar certamente poderá ir ao escritório.
Eu sei, ele confessou e várias pessoas presenciaram. Mas o cliente se preocupa com a liberdade e é sempre isso o que mais importa, para ele e para o advogado. O resto fica para o tribunal do júri, onde será escrito o capítulo final dessa história. A tese já está montada, mas sobre o assunto eu prometo tratar em outro post.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Brasil: o país da impunidade?

Foi com muita felicidade que descobri o Instituto Avante Brasil, coordenado pelo eminente professor Luis Flávio Gomes e por Alice Bianchini, que tem por objetivo facilitar o acesso às informações e pesquisas relacionadas à prevenção do crime e da violência. Pude extrair dos estudos realizados pela entidade alguns dados interessantes, que dizem total respeito à atuação do advogado criminalista e que não podem ser ignorados. Com base nesses dados é possível cotejar informações e alcançar conclusões extremamente relevantes.
De acordo com o números do Departamento Penitenciário Nacional, o Brasil fechou o ano de 2011 com um total de 514.582 presos e mantém-se em 4.º lugar dentre os países mais encarceradores do mundo. Na última década o número de presos cresceu 120%, já que em 2001 o país possuía 233.859 detentos. No mesmo período, o número de presos provisórios dobrou, chegando a 173.818 detentos, e o número de mulheres presas aumentou 245%. Hoje o país carece de 208.085 vagas em seus estabelecimentos penais, havendo 68% mais presos do que vagas e 43.328 presos ainda alojados em delegacias.
De outro lado, houve crescimento de 276% no número absoluto de homicídios intencionais, a taxa de crescimento por 100 mil habitantes foi de 133%. Ainda em relação aos assassinatos, nos últimos dez anos, o aumento no número absoluto foi de 9%. A taxa de mortes por 100 mil habitantes permaneceu estável e a média decrescimento anual é de 1,48%. Ou seja, estamos diante de uma política de encarceramento em massa que não diminuiu o número de crimes, pelo contrário. Ainda assim, há quem sustente que é preciso prender cada vez mais, aumentar penas e acabar com supostos "benefícios".
Comungo do questionamento levantado por Gomes: "Há 31 anos estamos fazendo a mesma coisa (mais gastos com segurança, mais viaturas, mais policiais, mais juízes, mais presídios, mais presos etc.) e a violência só aumentou, a razão nos leva a indagar se estamos fazendo a coisa certa". Essa ironia inteligente carrega consigo a resposta: Não, não estamos fazendo a coisa certa! É preciso mergulhar muito além do Brasil Urgente, do Cidade Alerta e do Jornal Nacional para entender o que se passa em nosso país. 
Como bem disse o grande Mestre da humanidade: "Quem tem olhos de ver, que veja". Os dados estatísticos e as conclusões que eles autorizam são excelentes para refutar a argumentação típica dos acusadores no tribunal do júri, sobretudo quando se prestam a tentar convencer o conselho de sentença por meio do senso comum e do proselitismo barato, sustentando que a prisão ainda funciona e que, além disso, serve como exemplo e meio eficaz para evitar novos crimes.
Fonte: www.institutoavantebrasil.com.br

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Tribunal do Júri: o caminho mais fácil

É difícil encontrar, entre os criminalistas, aqueles que não sejam apaixonados pelo tribunal do júri. Até mesmo aqueles que optam por não atuar no tribunal popular, muitas vezes em função do medo de falar em público, reconhecem a importância do instituto, que se apresenta como a mais democrática instituição jurídica brasileira, porque é a única que admite a participação efetiva do povo nas decisões emanadas do Poder Judiciário.
Como é sabido, o tribunal do júri é competente para julgar os crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados, e também os crimes conexos. Normalmente, a pessoa que se vê acusada da prática de crimes dessa natureza, encarados com maior rigor pela legislação e pela grande maioria dos juízes brasileiros, normalmente procura por advogados mais experientes, renomados e habituados a atuar perante o conselho de sentença.
Mas isso não impede que o jovem advogado assuma a tribuna. É possível, e até recomendável, que o advogado inscreva-se no convênio firmado entre a Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil para atuar no júri. Para atuar no tribunal popular o advogado deve ter concluído o curso específico oferecido pela Escola Superior de Advocacia e participado de 02 (duas) julgamentos, ou ter participado de 05 (cinco) julgamentos.
Morando no interior, encontrei dificuldades para participar do curso, então optei por participar de 05 (cinco) plenários. Visitava todas as cidades da região e ficava de olho nas pautas, depois entrava em contato com os respectivos advogados e pedia para participar do júri. Os mais vaidosos não permitem, mas aqueles que têm a certeza de que sempre haverá mercado para os bons advogados costumam permitir, e ainda ensinam com prazer.
Cheguei a participar de 02 (dois) júlgamentos numa semana. Aliás, falar em "participar" é um pouco demais, pois basta que o nome fique constando na ata para que seja expedida a necessária certidão, que será exigida quando da inscrição no convênio. Na verdade, o advogado fica assistindo ao júri do lado de dentro, assim como faria do lado de fora. Aliás, particularmente, entendo que esses requisitos são desnecessários e ridículos.
 Fui estagiário do Ministério Público, numa Promotoria de júri, e me cansei de assistir sessões de julgamento e de lidar com processos relacionados a crimes dolosos contra a vida. Há no mercado cursos muito bons, como o da Escola Superior de Advocacia e o da Academia Paulista de Direito Criminal, que fiz e recomendo. Contudo, não há número de sessões ou cursos que assegurem uma atuação de qualidade no tribunal popular.
Há jovens advogados que se destacam no tribunal do júri, assim como há advogados experimentados que passam vergonha. Os requisitos exigidos para a inscrição não se justificam, limitam o exercício da advocacia e ofendem princípios constitucionais elementares. De qualquer modo, inscrever-se no convêncio de assistência judiciária gratuita ainda é o caminho mais curto para aqueles que pretendem atuar no tribunal do povo.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Sustentação oral: Tribunal de Justiça


Além dos "embargos auriculares", pode o advogado valer-se de mais um precioso recurso no sentido de despertar a atenção dos julgadores. A sustentação oral é importantíssima nos julgamentos de recursos e habeas corpus, principalmente se considerado que nem todos os Desembargadores têm acesso aos autos antes de proferir voto, e que aqueles que têm muitas vezes não lêem com atenção.
Nem todos os recursos admitem sustentação oral, e mesmo naqueles que a admitem, não haverá nova sustentação em caso de pedido de vista. Aliás, cabe destacar que um pedido de vista sempre traz consigo uma esperança, já que um voto divergente dá margem à interposição de um novo recurso, os embargos infringentes ou de nulidade, que fazem muita diferença quando um dos objetivos é a prescrição.
No habeas corpus o advogado deve ficar atendo quando da remessa dos autos à mesa, já que o julgamento do writ independe de inclusão em pauta e provavelmente será realizado na próxima sessão. Basta verificar o dia das sessões de julgamento no site do Tribunal. Caso esteja muito em cima da hora, pode-se pedir adiamento por uma sessão, o que também facilita a entrega de memoriais.
Nos recursos, salvo aqueles que independem de inclusão em pauta - que geralmente não admitem sustentação oral -, o advogado será intimado a respeito do julgamento e poderá entregar memoriais com antecedência e proferir sustentação oral. Ouvi um ex-Ministro dizer que deve-se optar entre os memoriais e a sustentação, mas discordo.
Os memoriais podem conter argumentos e detalhes que poderiam ser esquecidos durante a sustentação oral, e que também não serão rebatidos pela Procuradoria de Justiça. Pode-se indicar páginas específicas, citações doutrinárias e precedentes jurisprudenciais que, via de regra, culminariam numa sustentação cansativa e sem objetividade.
Também pode acontecer algum imprevisto que impossibilite a sustentação oral (trânsito, problema de saúde etc). Mesmo assim, todos os Julgadores terão acesso a uma síntese dos fatos e dos argumentos mais preciosos da defesa. É o suficiente para o momento no que toca aos memoriais, que serão abordados em post específico.
Antes do horário marcado para a sessão, a pauta de julgamento estará disponível. Haverá alguns cartões com pedidos de preferência e sustentação oral, onde é preciso preencher o número do processo, o nome do Relator, o nome do advogado e o nome do cliente. Iniciada a sessão, após as formalidades de praxe, serão analisados os pedidos de preferência e terão início as sustentações.
Pessoalmente, discordo de quem começa uma sustentação oral com "Excelências, boa tarde". O início de um discurso é fundamental para despertar a atenção, e todo e qualquer livro de oratória caminha nesse sentido. Não se deve rebuscar na linguagem, mas um mínimo de formalidade é essencial e faz parte da tradição, assim como no júri.
Costumo cumprimentar o Desembargador-Presidente, o Desembargador-Relator, os Desembargadores-Vogais, os demais Desembargadores, o representante da Procuradoria, os Serventuários da Justiça e os colegas presentes. Na sequência faço uma pequena introdução a respeito, por exemplo: "Trata-se de habeas corpus em que se busca o trancamento da ação penal em virtude da atipicidade manifesta da conduta".
Na sustentação propriamente dita, costumo seguir a ordem contida na petição. Abordo questões preliminares e depois discorro sobre o mérito. É sempre bom dar uma atenção especial à fase final da sustentação, com um encerramento arrasador, seguido dos pedidos pertinentes. O advogado deve ser firme, enfático, mas nunca mal educado.
Após a sustentação oral, deve o advogado aguardar o julgamento em silêncio, sem interferir. Se houver algum esclarecimento a ser feito, deve o advogado pedir a palavra, pela ordem, ao Desembargador-Presidente. É importantíssimo conhecer a fundo o processo, já que os Desembargadores podem solicitar algum esclarecimento.
Os advogados que se propõe a sustentar oralmente costumam ser muito bem vistos pelos Desembargadores, desde que realizem um bom trabalho. Uma oratória excepcional e apelos puramente emocionais não costumar surtir efeitos quando desacompanhados de embasamento fático e jurídico. E para encerrar, vale lembrar: Há microfone, não é preciso gritar!

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Embargos auriculares: juízes que não lêem


Ninguém desconhece que Juízes, Desembargadores e Ministros são bombardeados, diariamente, por uma centena de petições. Quem já teve a oportunidade de ingressar em um gabinete sabe que sempre há inúmeros processos aguardando decisão e que costuma ser humanamente impossível atender a essa demanda. Disso pode-se extrair que talvez não haja mais espaço para petições extensas, recheadas de citações doutrinárias e recortes jurisprudenciais, haja vista que tais petições jamais serão integralmente apreciadas, mesmo que o advogado se valha de todos os recursos do processador de texto e de fonte número 18.
A prudência aconselha que o advogado, após protocolar uma petição urgente, ou quando for despachá-la pessoalmente, aproveite a situação para explicar as razões do pedido para o Magistrado, ainda que resumidamente. Na primeira instância recomenda-se ingressar nos gabinetes antes da primeira audiência da pauta ou depois da última, já que entre uma audiência e outra será muito difícil conquistar a atenção do Magistrado. Nos Tribunais a situação é um pouco diferente, pois alguns Desembargadores e Ministros somente atendem mediante prévio agendamento de horário, que pode ser realizado pessoalmente ou por telefone.
Nos Tribunais, muitas das decisões, senão a totalidade delas, são proferidas por assessores, que seguem o posicionamento do respectivo Ministro ou Desembargador. Em muitos casos haverá um assessor acompanhando a conversa e o advogado também deve tentar convencê-lo, ainda que de maneira sutil, pois a decisão caberá a ele. Regra geral, o advogado costuma ser bem recebido, mas é preciso estar preparado para tudo. É costume levar um resumo, por escrito, contendo os principais fundamentos do pedido: os chamados memoriais.
Recentemente estive em São Paulo e, coincidentemente, verifiquei que um pedido de liminar em habeas corpus estava no gabinete do Desembargador. Fui até lá e perguntei se ele atendia sem marcar horário e me deixaram subir. Fui muito bem recebido e pude expor todos os fundamentos do pedido. O Desembargador optou por pedir informações antes de analisar o pedido de liminar, o que já é uma vitória, notadamente se considerado que a liminar em habeas corpus não costuma ser tratada com a importância que deveria pelos Tribunais.
Na ocasião, o Desembargador me disse: "Venha sempre, venha até em pedido de vista. Há muitos juízes que não lêem". É muito mais fácil explicar em dez minutos algo que demandaria páginas e mais páginas de argumentação. Se a questão for realmente grave e despertar a atenção do Julgador o pedido será analisado com mais cuidado. Não há nenhuma garantia de sucesso, mas pelo menos não ficamos com aquela impressão de que os argumentos sequer foram analisados, de que a petição sequer foi lida. Eis a importância dos "embargos auriculares".

domingo, 22 de julho de 2012

Dica de leitura: Tiras, Gansos e Trutas



É possível tratar a respeito da advocacia criminal estabelecendo-se uma ordem cronológica que vai desde a atuação na fase policial até a fase recursal e de execução da pena. O blog não tem essa pretensão e abordará temas sortidos, sempre relacionados ao exercício da advocacia, mas sem obedecer a nenhum tipo de ordem cronológica. Contudo, a menção à prisão em flagrante no último post me fez lembrar de um livro muito útil para aqueles que se iniciam na advocacia criminal, capaz de levar à compreensão acerca das relações que se estabelecem nas Delegacias de Polícia.
O livro intitulado "Tiras, Gansos e Trutas: Segurança Pública e Polícia Civil em São Paulo" foi escrito por Guaracy Mingardi, um cientista social que, para realizar a sua pesquisa de campo, ingressou na Polícia Civil de São Paulo. Os dados obtidos através da experiência e de entrevistas fundamentaram uma tese de mestrado que mais tarde deu origem ao livro. Trata-se de uma análise extremamente crítica, que abrange o período compreendido entre 1983 e 1990, mas que ainda se mantém atual, já que as relações que se estabelecem nas Delegacias de Polícia permanecem as mesmas.
Aqueles que acreditam que não há mais espaço para a tortura em nosso País e que esse tipo de prática morreu com a ditadura militar deveriam ler este livro, que também desnuda, de maneira corajosa, o problema da corrupção policial. Há também, no final da obra, um interessante e esclarecedor "glossário da gíria policial".  A leitura desse livro é indispensável e serve para suprir uma lacuna verificada nos livros de direito penal e de direito processual penal que, como é sabido, não bastam para alicerçar a atuação de um advogado criminalista.
Descobri este livro numa nota de rodapé de uma obra sobre criminologia escrita pelo professor Sérgio Salomão Shecaira. Não o encontrei nas livrarias tradicionais e fui obrigado a vasculhar inúmeros sebos para comprá-lo. Não se pretende trazer uma resenha, pois seria até injusto tentar resumir um trabalho tão corajoso em poucas linhas, mas apenas despertar a curiosidade de outros jovens criminalistas a respeito de um tema importantíssimo.

sábado, 21 de julho de 2012

O primeiro flagrante

Logo pela manhã o telefone tocou. Um rapaz havia sido preso em flagrante e a princípio falava-se apenas na apreensão de documentos falsificados. Só quem já passou por isso sabe que, a partir desse momento, uma descarga de adrenalina logo cuida de mostrar seus efeitos, exigindo sangue frio e raciocínio rápido antes mesmo da chegada à Delegacia. Além de optar por uma boa estratégia de defesa num curto período de tempo, não pode o jovem advogado agir por impulso e ingressar do Distrito Policial sem que tenha sido pago para tanto, e é essencial tratar dos honorários o mais rápido possível, sob pena de jamais chegar a recebê-los.
Chegando ao Distrito Policial, me apresentei aos policiais civis que haviam realizado a diligência e eles logo trataram de me explicar a situação. A polícia ingressou na residência do cliente logo pela manhã, munida de mandado de busca e apreensão, e logrou apreender uma série de espelhos tipicamente empregados na falsificação de documentos de identidade e carteiras de habilitação, além de fólios de cheque de diversas instituições. Tive a oportunidade de ver o material apreendido, que compreendia também computadores e impressoras. Era tamanho o vulto da apreensão, que a imprensa escrita e diversas emissoras rapidamente chegaram ao local, mas deixarei o relacionamento com a imprensa para uma outra ocasião, para não perder o foco.
Naquela situação, entendi que a melhor estratégia era o silêncio. Uma outra pessoa havia sido presa em decorrência dos mesmos fatos, a questão demandava exames periciais e já se desenhava a ilegalidade da prisão. Imaginei que seria arriscado delinear toda a estratégia de defesa, num caso complexo como aquele, em poucos minutos. O fato é que ainda não havia laudos comprovando as falsificações e, quando da chegada da polícia, o cliente estava dormindo, ou seja, não estava em nenhuma das situações de flagrante delito. Era uma sexta-feira e saí da Delegacia perto das 21 horas, depois de assinar um número interminável de cópias.
No plantão judiciário havia uma Juíza que é titular de uma Vara Cível numa Comarca vizinha. A Magistrada ignorou os argumentos escritos e os argumentos dispendidos naquilo que se costuma chamar de "embargos auriculares". O pedido de relaxamento da prisão em flagrante foi indeferido no plantão judiciário, mas acabou deferido pelo Juiz competente naquela mesma semana. Ignoro, mas presumo, as razões pelas quais a Autoridade Policial ratificou a voz de prisão em flagrante, que de qualquer modo acabou relaxada em pouco tempo. 
O advogado precisa estar sempre atento, com um paletó, o Código e o celular prontos para entrar em ação, e preparado para incontáveis ligações da família do preso, antes da chegada à Delegacia e, principalmente, depois da prisão. É necessário conhecer o trâmite entre a prisão em flagrante e a chegada a um Centro de Detenção Provisória, saber como funcionam as visitas e como se dá a entrega do "jumbo", porque as famílias sempre perguntam a respeito desses pontos. Gosto de ressaltar, ainda, que cigarros e o "jumbo" devem ser entregues pelas famílias e não pelo advogado.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Montar escritório ou procurar emprego?


Ao término da faculdade de direito o aluno começa a se indagar a respeito dos caminhos que pretende trilhar após a colação de grau. Muito em voga está a opção pelos concursos públicos, que trazem consigo um certo status e asseguram a tão sonhada estabilidade, isso sem falar nos altos salários oferecidos. Essa opção, contudo, não merecerá maiores considerações, já que focamos naqueles que optaram pela advocacia.
Independentemente da área de atuação escolhida, o jovem advogado depara-se com uma dúvida quase insuperável: montar escritório ou procurar emprego? Exemplos não faltam de advogados que optaram por montar o próprio escritório logo de início e prosperaram na advocacia, alcançando a excelência, e ainda hoje há muitos colegas que alcançam o sucesso enfrentando o desafio de empreender.
Pessoalmente, optei por procurar emprego. Em face dessa decisão os clientes não demoraram tanto a aparecer e pude ter contato com causas que, começando sozinho, provavelmente demoraria muito tempo para conseguir, e também pude contar com maior respaldo em momentos cruciais do cotidiano criminal: prisão em flagrante, interrogatório policial, audiência de instrução, debates orais, sustentação oral etc.
Os manuais não ensinam o que o advogado deve fazer e como deve se portar em cada uma dessas situações. Aliás, depois de enfrentá-las arrisco afirmar que o exercício da advocacia exige, muito além do conhecimento técnico, presença de espírito e jogo de cintura suficientes para lidar com imprevistos. É preciso certo tato para tratar com escrivães, investigadores, delegados, promotores, serventuários e juízes.
Ingressar num escritório já habituado à advocacia criminal torna o caminho mais fácil, mas nem tudo são flores. A maior complexidade das causas implica em maiores desafios e exige, consequentemente, muito estudo e dedicação, haja vista que as cobranças costumam ser muito maiores. Também é necessário, vale dizer, considerar o porte do escritório e os diferentes nichos de atuação.
Num escritório menor o jovem advogado tem a oportunidade de exercer a advocacia em sua plenitude e é difícil encontrar o que este advogado não faça, na medida em que atua muitas vezes desde a prisão em flagrante, passando pelas tentativas de libertar o cliente e pela realização da defesa no processo, elaborando petições, recursos e atuando, ainda, perante os diferentes Tribunais Estaduais e Superiores.
Em muitos escritórios grandes o jovem advogado acaba relagado à pesquisa doutrinária e jurisprudencial, ou à realização de tarefas consideradas menos importantes pelos advogados mais experimentados, e talvez dificilmente tenha a oportunidade de sustentar oralmente ou de atuar no Tribunal do Júri por exemplo. De outro lado, cabe ressaltar, a remuneração costuma atingir patamares mais elevados.
Particularmente entendo que um escritório menor confere maior âmbito de atuação para o jovem advogado, que perde em currículo mas ganha em experiência, pois acaba compelido a fazer um pouco de tudo. Não se pretende chegar a uma verdade absoluta e inafastável, pois todas as opções apresentam vantagens e desvantagens. O que se pretende é apenas destacar alguns tópicos dignos de consideração.
É sempre importante ter em quem se espelhar, e não é vergonha nenhuma aprender com advogados mais vividos e tarimbados, que já atravessaram inúmeras vezes os caminhos tortuosos da advocacia criminal. Saber enfrentar, com presença de espírito e jogo de cintura, as vicissitudes da advocacia, talvez seja o maior e mais difícil desafio imposto ao jovem advogado. Um bom professor é sempre indispensável.

O início


Embora a Ordem dos Advogados do Brasil, muitas vezes através de comissões específicas, disponibilize toda sorte de recursos no sentido de amparar os advogados que iniciam na profissão, é incontestável que aqueles que obtém a inscrição e recebem as respectivas carteiras deparam-se com uma série de dificuldades    durante os primeiros passos na carreira. No que diz respeito à área criminal, mais especificamente, essas dificuldades brotam aos montes, submetendo o jovem advogado a situações e problemas de difícil ou impossível solução.
Depara-se o jovem criminalista, antes de tudo, com a desconfiança por parte dos próprios clientes, que numa primeira impressão aparentam preferir alguém mais velho e experimentado, mas também precisa enfrentar serventuários descontentes, autoridades prepotentes e situações cujas fórmulas de solução não se encontram facilmente. Pergunta-se: O que devo fazer numa prisão em flagrante? Como devo me portar numa audiência? Quanto devo cobrar?  
O jovem advogado criminalista não encontra nos livros muitas das respostas das quais necessita para bem exercer a sua nobre função. Os livros de prática, com o devido respeito, na grande maioria das vezes, se resumem a um aglomerado de modelos de petições, acompanhados de apontamentos quase sempre insatisfatórios, mas a prática da advocacia criminal - e quem a conhece sabe - não se resume ao papel.
A ideia de criar este espaço surgiu justamente das dificuldades e das dúvidas enfrentadas por este jovem advogado, formado em 2010, há aproximadamente um ano e meio, numa faculdade de direito localizada no interior do Estado de São Paulo. Não se busca ensinar, pois ainda há, evidentemente, muito a aprender, mas apenas compartilhar impressões, buscar reflexões e discussões que talvez possam contribuir para o desenvolvimento da advocacia criminal.
Não haverá aqui modelos, soluções ou manuais de instrução. O escopo principal será sempre o de externar impressões, refletir e discutir a respeito de situações verificadas no dia-a-dia do jovem advogado criminalista, também para diminuir as dificuldades daqueles advogados ainda mais jovens, mas sobretudo para que a advocacia criminal brasileira mantenha-se unida nessa luta diária e amarga que se repete a cada amanhecer.