terça-feira, 26 de março de 2013

Estratégia e liberdade


Logo após uma prisão em flagrante, somos tentados pela ideia de pleitear a liberdade do cliente imediatamente, muitas vezes no plantão judiciário. Há casos, entretanto, em que essa estratégia não é a melhor, devendo o advogado aguardar a decisão que converte a prisão em flagrante em prisão preventiva, sobretudo quando se tratar de crimes hediondos e equiparados, ou de crimes de repercussão.
Na grande maioria das vezes os autos já estarão na conclusão, de modo que a juntada da petição acabará atrasando ainda mais a análise pelo juiz. Mas isso é o de menos, se considerado que o juiz, que normalmente se utilizaria de uma decisão padrão, sem nenhuma fundamentação, acabará rebatendo os argumentos da defesa e proferindo uma decisão mais bem fundamentada e difícil de ser derrubada.
O advogado, ciente de que o juiz não costuma conceder a liberdade em casos de crimes hediondos, equiparados ou praticados mediante violência ou grave ameaça à pessoa, tais como o homicídio, o tráfico de drogas e o roubo, deve ter cautela ao optar pelo pedido de revogação da prisão preventiva ou de substituição da prisão por outras medidas cautelares, pois pode estar errando na estratégia.
Recentemente, um indivíduo foi preso em flagrante pela prática de um homicídio e de uma tentativa de homicídio. O juiz, ao analisar o auto de prisão em flagrante, limitou-se a converter a prisão em flagrante em preventiva, valendo-se de uma decisão genérica, sem lastro em fatos concretos. Optamos, na ocasião, por impetrar habeas corpus imediatamente, atacando a ausência de fundamentação da decisão.
No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo a ordem foi denegada. Impetramos habeas corpus substitutivo de recurso ordinário no Superior Tribunal de Justiça e a liminar foi concedida, em virtude da ausência de fundamentação apontada pela defesa. Um pedido de liberdade na primeira instância poderia ter colocado tudo a perder, já que o juiz poderia corrigir a decisão anterior.
Outra opção seria impetrar o habeas corpus e, após o recebimento das informações enviadas pela primeira instância, pleitear a liberdade perante o juiz, mas somente quando houver chance de êxito. Não se espera que o advogado, ciente de que um novo juiz aportou na comarca com uma visão mais garantista, mantenha-se inerte. De qualquer sorte, a estratégia depende muito do caso concreto.
Como já destacado em outro post, a fundamentação das decisões é levada em consideração nos Tribunais Superiores, que dão muita atenção à questão. Um pedido de liberdade precipitado pode permitir que o juiz complemente a decisão anterior, rebatendo os argumentos da defesa e produzindo uma decisão fundamentada e consistente. Mas isso não se aplica, a toda evidência, aos crimes menos graves.
Em casos de furto, estelionato, porte de arma e receptação, por exemplo, sendo o cliente primário, deve o advogado pleitear a liberdade, juntando documentos que comprovem ocupação lícita e residência fixa. O habeas corpus imediato aplica-se apenas aos casos em que o advogado tem a certeza de que o pedido de liberdade seria indeferido, dependendo do caso concreto e do juiz competente.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Vedação ao habeas corpus substitutivo


Após a recente guinada no posicionamento do Supremo Tribunal Federal, os Ministros do Superior Tribunal de Justiça passaram a não conhecer os habeas corpus impetrados em substituição a outros recursos. Entendo que esse posicionamento limita o texto constitucional e fere de morte o mais importante dos remédios constitucionais. Estão tentando dar juridicidade a uma opção administrativa.
A Administração Pública sobrecarrega o Poder Judiciário com enxurradas de ações e recursos, mas quem acaba pagando a conta é o indivíduo. Até mesmo os Ministros mais garantistas estão aderindo ao referido posicionamento, colocando em risco direitos e garantias fundamentais, como se isso fosse resolver os problemas do Judiciário. A pergunta é: Diante dessa situação, o que fazer?
Após o julgamento do habeas corpus nos Tribunais de Justiça, regra geral, a defesa será obrigada a aguardar a publicação do acórdão para interpor recurso ordinário, aguardando então a juntada, a apresentação de contrarrazões e a remessa ao Tribunal Superior. Todo o processamento do recurso ordinário pode demorar muito tempo, submetendo, sobretudo os réus presos, a um gritante constrangimento.
Vislumbro duas opções: a) impetrar habeas corpus substitutivo de recurso ordinário mesmo assim; b) ajuizar medida cautelar, nos termos da legislação processual civil e do regimento interno dos Tribunais. As duas medidas propostas podem ser adotadas em conjunto, mormente quando se pretende a concessão de uma liminar, e o recurso ordinário também deve ser interposto após a publicação.
Não podemos deixar de impetrar o habeas corpus, até mesmo para que esse posicionamento possa ser alterado, e a medida cautelar funciona como precaução, caso o habeas corpus não seja sequer conhecido, principalmente quando se pretende a concessão de uma liminar. Penso que, em termos processuais, são essas as medidas cabíveis, e disso já se pode extrair que o tiro saiu pela culatra.
Ao invés de receber um único habeas corpus, os Tribunais abriram as portas para um habeas corpus, uma medida cautelar e um recurso ordinário. Ou será que esperam que o indivíduo preso aguarde pacientemente o processamento e o julgamento do recurso ordinário? Até lá já haverá sentença na primeira instância e o recurso será julgado prejudicado, sujeitando o indivíduo a novo constragimento.
A lei que cuida do mandado de segurança vedou expressamente o mandamus quando for cabível recurso. A Constituição e o Código de Processo Penal não impõe nenhuma vedação dessa natureza ao writ, limitando-se a prescrever que conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.
Utilizar a suposta racionalidade do sistema recursal para mitigar um remédio constitucional previsto dentre os direitos e garantias fundamentais do indivíduo, ignorando toda a história do instituto, é uma aberração. Deveriam simplesmente assumir que se trata de uma opção administrativa, ao invés de tentar justificar esse absurdo. Acredito que, num futuro próximo, sentirão vergonha disso.
Num momento em que se fala na máxima efetividade dos direito e garantias fundamentais, num processo penal constitucional, em garantismo, o Brasil assiste impassível ao mais recente e descarado ataque à democracia. Ao invés de diminuir garantias, o ideal seria aumentar o número de Ministros, assessores e serventuários. Talvez não seja o suficiente, mas já seria um ótimo começo.