sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Réus indefesos


A Constituição Federal, ao reconhecer a instituição do Tribunal do Júri, prescreve alguns princípios que devem ser observados no procedimento relacionado ao julgamento popular, sendo eles a plenitude de defesa, a soberania dos veredictos e o sigilo das votações, além da competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Para o momento interessa-nos apenas a plenitude de defesa.
Partindo do pressuposto de que a lei não contém palavras inúteis, a doutrina majoritária reconhece que a plenitude de defesa representa um plus em relação à ampla defesa, e que não se trata de sinônimos. Até concordo que a defesa no júri deve ser plena, mas considero que a plenitude de defesa estende-se aos procedimentos comuns, não sendo uma peculiaridade inerente apenas ao júri.
Ora, por que o acusado de crime doloso contra a vida teria direito a uma defesa plena, enquanto o acusado de latrocínio, por exemplo, faria jus apenas a uma defesa ampla? As expressões podem ser encaradas como sinônimos e isso não é prejudicial ao réu, muito pelo contrário, já que haverá plenitude de defesa independentemente do procedimento a ser adotado, como direito fundamental.
Não pode haver uma defesa plena e uma defesa pela metade ou uma defesa "mais ou menos". A defesa é instintiva, surge da necessidade de preservação da espécie, de modo que o indivíduo, quando não puder se defender sozinho, independentemente da natureza do ataque, tem o direito de poder contar com quem o defenda, e essa defesa deve ser sempre plena e nunca "mais ou menos".
Essas são apenas algumas impressões pessoais, que podem até ser encaradas como um desabafo, já que a doutrina, muitas vezes, perde tempo com discussões inúteis ou que, quando úteis, em quase nada contribuem para o aprimoramento do direito enquanto ciência social. O ponto central da questão é a possibilidade de destituição do defensor no Tribunal do Júri, por insuficiência de defesa.
É preciso, para isso, entender o que significa a plenitude de defesa. A respeito do tema, Guilherme de Souza Nucci assevera que "[...] a plenitude de defesa quer significar o exercício efetivo de uma defesa irretocável, sem qualquer arranhão, calcada na perfeição - logicamente dentro da natural limitação humana" (NUCCI, 1999). Embora não veja diferença, admito o conceito destacado.
Nessa mesma esteira, ainda destaca Nucci - acertadamente - que "O defensor despreparado, sem experiência no trato com os jurados, incapaz de sustentar seus pensamentos de forma lógica e didática, inabilitado para falar em público e distanciado das peculiaridades do tribunal popular pode colocar seriamente em risco o direito de defesa do réu, que é, repita-se, fundamental" (NUCCI, 1999).
A atuação do tribuno exige preparo, dedicação e aptidão. É muito comum verificar defensores prolixos, que falam sem nada dizer e nunca chegam a lugar nenhum, assim como defensores que não estudam o processo e defensores que se valem de teses manifestamente absurdas, contrariando até mesmo o interrogatório do réu. O juiz-presidente tem a obrigação de fiscalizar a atuação da defesa.
Salvo nas maiores Comarcas, que contam com Magistrados mais experientes, é muito raro presenciar o reconhecimento da insuficiência de defesa. A grande maioria dos juízes exita em declarar o réu indefeso, ou por torcer pela condenação ou para não expor o advogado, mas esquecem-se de que se trata de um direito fundamental do acusado, que não pode ser abandonado à própria sorte.
Há diferença entre a defesa insuficiente e a ausência de defesa ou de defensor. No primeiro caso há defesa, mas uma defesa fraca, insuficiente, enquanto no segundo realmente não há defesa, por não ter sido apresentada, ou não há advogado, devendo ser concedido prazo para a constituição de defensor ou comunicada a Defensoria Pública, já que ninguém pode ser processado e julgado sem defensor.
De todo modo a consequência é sempre a mesma, já que o acusado poderá constituir um novo advogado ou contará com os serviços da Defensoria Pública, diretamente ou por meio dos convênios existentes. Quem tiver interesse em atuar no Tribunal Popular deve, portanto, estar preparado para assegurar ao acusado a melhor defesa possível, sob pena de, em não o fazendo, ser destituído.
Muitos se encantam com o Tribunal do Júri e vêem na instituição um meio de alavancar a carreira, um "filão", aventurando-se sem medir as consequências de uma defesa declarada insuficiente e destituída. É por essas e outras que o professor Romualdo Sanches Calvo Filho insiste em dizer que "O júri catapulta ou sepulta". Uma destituição, a toda evidência, repercutirá mal na carreira do advogado.   

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Garantismo penal


É relativamente comum depararmo-nos, na área criminal, com pessoas que referem-se ao garantismo penal, dizendo: "Eu sou garantista", "Aquele juiz não é nada garantista", "Conheci um promotor garantista", etc. Mas a verdade é que a grande maioria desconhece a teoria do garantismo penal, desenvolvida por Luigi Ferrajoli.
A referida teoria encontra-se no livro "Direito e razão: teoria do garantismo penal". Como não sou favorável ao estelionato intelectual e muito menos à violação de direitos autorais, deixarei registrado um resumo da teoria, confecionado com base nas aulas do professor Rogério Sanchez Cunha, que considero excelentes.
O termo garantismo deriva de garantias, que podem ser entendidas como direitos, privilégios e isenções que a Constituição garante aos cidadãos. De acordo com a teoria, o garantismo visa ampliar as liberdades individuais, restringindo ao mínimo necessário o poder do Estado, mas fugindo dos extremos: o antiliberalismo e o abolicionismo.
Pode-se entender o garantismo penal como um modelo de direito onde a liberdade é regrada e afasta-se dos extremos. De nada adiantaria maximizar o poder do Estado ou abolir todas as normas penais. A minimização do poder dá-se através de 10 (dez) princípios, inseridos em garantias relativas á pena, ao delito e ao processo.
No que diz respeito às garantias relativas à pena, vigoram os princípios da retributividade (não há pena sem crime), da legalidade (não há crime sem lei prévia, escrita, estrita e certa) e da intervenção mínima (não há lei penal sem necessidade). Notem, desde logo, que os princípios derivam uns dos outros.
Já no que toca às garantias referentes ao delito, incidem os princípios da lesividade (não há necessidade sem lesão ou perigo de lesão concreta e relevante), da exteriorização (não há lesão sem conduta ativa ou omissiva) e da culpabilidade (não há conduta sem culpabilidade). Cabe repetir: cada princípio decorre do anterior.
Derradeiramente, no que tange às garantias inerentes ao processo, temos os princípioss da jurisdicionariedade (não há culpa sem processo), acusatório (não há processo sem acusação), do ônus da prova (não há acusação sem um mínimo de provas) e do contraditório (não há provas sem contraditório). Eis um resumo do garantismo.
Agora ficou fácil saber quem é garantista e quem não o é. Tais princípios encontram-se na Constituição da República, razão pela qual pode-se dizer que temos uma Constituição garantista. Cuida-se de um Direito Penal mínimo que busca o máximo de bem estar para o não delinquente e o mínimo de mal estar para o delinquente.


sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Preparando as testemunhas


Antes da audiência é importante que o advogado dedique algum tempo à preparação das testemunhas de defesa, não no sentido de orientá-las a dizer isso ou aquilo, mas apenas para explicar o que elas enfrentarão e de apurar o que cada uma delas tem a acrescentar.  Deve-se explicar como é uma sala de audiências, onde estarão localizadas as pessoas envolvidas no referido ato, onde a testemunha deverá se sentar e qual a postuta que deverá adotar.
Juízes e promotores de justiça, desconfiados, podem perguntar quem orientou a testemunha a dizer o que disse, pressionando para que ela aponte para o advogado. Então todo cuidado é pouco e a prudência recomenda que o profissional abstenha-se de plantar informações por meio das testemunhas de defesa, deixando que o cliente e a família conversem com cada uma delas a respeito do conteúdo do depoimento, apenas fiscalizando a versão a ser apresentada.
O ideal é que as perguntas sejam preparadas com antecedência e exibidas às testemunhas, que devem ter conhecimento das teses defensivas e da menor ou maior importância de cada uma das questões. O advogado precisa dar importância também a fatos periféricos, já que a acusação costuma explorá-los no afã de encontrar alguma contradição, já que são fatos que não chamam a atenção e, portanto, podem não ter sido notados por todas as testemunhas.
Mesmo que a versão apresentada pela testemunha corrobore a versão do acusado, dirá a acusação, por exemplo, que houve divergências porque o réu disse que estava escuro e a testemunha disse que estava escurecendo. São circunstâncias que não dizem respeito diretamente às teses de defesa, mas que não podem ser deixadas de lado, pois a acusação tentará desqualificar a prova produzida pela defesa. Então fica a dica: prestem atenção nos fatos periféricos.
As testemunhas costumam perguntar se assistirão aos outros depoimentos, se prestarão o depoimento sozinhas ou na frente de outras pessoas e o que devem dizer quando não souberem ou não se lembrarem das respostas.  Por incrível que pareça, muitas pessoas têm medo do juiz e de sofrer alguma pressão, imaginando que serão presas. Ninguém é obrigado a saber ou se lembrar de tudo, e o advogado deve trabalhar no sentido de deixar as testemunhas tranquilas.
O melhor é optar pelas testemunhas que tenham mais conhecimento a respeito dos fatos e que se comuniquem melhor, tomando cuidado com as testemunhas que falam demais, imaginando que salvarão a pele do acusado, e também com as que falam de menos. Quanto mais detalhes forem apresentados pelas testemunhas, maiores serão as chancer de haver contradições entre os depoimentos, que podem ser mal interpretadas. O advogado deve filtrar apenas o que interessa.
Também é interessante explicar para as testemunhas no que consiste o crime de falso testemunho, deixando claro quem responde e quem não desponde pelo delito, alertando-as a respeito de possíveis perguntas capciosas por parte da acusação, para que não sejam surpreendidas. Cada profissional encontrará a melhor forma de trabalhar e de preparar as testemunhas, mas essas são algumas dicas importantes para aqueles que se iniciam na profissão.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Medo de falar em público


Já vi muitas pessoas mencionando a existência de uma pesquisa, na qual o medo de falar em público supera até mesmo o medo de doenças e o medo da morte. Confesso que nunca me dediquei a encontrar a referida pesquisa, mas sei que existem menções a ela em livros e na internet, mas, independentemente das fontes, acreditei no resultado. Conheço muitas pessoas que detestam falar em público.
Do livro "Falar bem é bem fácil", de J. B. Oliveira, e da obra "Oratória para advogados e estudantes de Direito", de Reinaldo Polito, extrai-se que o medo de falar em público não combina com a profissão do advogado, o que parece até óbvio, mas merece algumas reflexões.  A verdade é que muitos advogados, principalmente os iniciantes, têm verdadeiro pavor de falar em público.
Ninguém precisa desistir da advocacia em decorrência do medo de falar em público, muito pelo contrário, é preciso identificar as origens do medo e conhecer as principais formas de combatê-lo, deixando de lado aquela ideia de que alguns nascem com o dom da oratória e outros não. Há quem de fato tenha esse dom, mas isso não significa dizer que as técnicas de oratória não possam ser aprendidas.
Dizem que na Grécia antiga, Demóstenes, que não gostava de cachoeira, era gago e péssimo orador, raspou metade da barba para que ficasse com vergonha de sair de casa e pudesse estudar, treinar e melhorar a dicção e a comunicação verbal. Tornou-se, simplesmente, o maior orador da Grécia. Eis um belo exemplo de que, com muito estudo, treinamento e determinação, é possível melhorar.
É preciso frisar, também, que o medo não é o único empecilho à boa oratória. Há pessoas extremamente extrovertidas, sem nenhum medo de passar vergonha, que acabam fazendo feio na hora de falar em público por conta do vocabulário, do excesso de gestos e da dicção ruim, por exemplo. Há uma série de técnicas que podem auxiliar o orador, mas acredito que o mais importante é vencer o medo.
Polito afirma que a falta de conhecimento sobre o assunto, a falta de prática no uso da palavra em público e a falta de autoconhecimento são os três motivos do medo de falar em público, asseverando que ficamos com receio das críticas e julgamos que as pessoas estão censurando nossa apresentação. O medo libera a adrenalina, as pernas tremem, as mãos suam, o coração acelera e a barriga dói.
Para vencer o medo o citado autor recomenda: a) conhecer o assunto com profundidade; b) praticar e adquirir experiência; c) identificar as próprias qualidades. Enfatiza ainda que o medo nunca desaparece por completo, mas que a descarga de adrenalina pode ser reduzida, devendo então ser transformada em energia positiva. Até mesmo artistas famosos dizem que o medo nunca desaparece.
A adrenalina é descarregada naturalmente quando sentimos medo. Aumenta a transpiração, os batimentos cardíacos e a pressão sanguínea, fortalece os músculos, dilata as pupilas e os brônquios, preparando o organismo para um grande esforço físico ou para uma fuga rápida. Sentimos então aqueles indesejáveis sintomas, para lutar ou para fugir, até que a adrenalina seja metabolisada.
O importante é destacar que, via de regra, a adrenalina sempre será metabolizada e os sintomas indesejáveis irão embora com ela. Quem já se propôs a falar em público sabe que depois de alguns minutos os sintomas da adrenalina somem. Conhecendo o mecanismo do medo e sabendo que os sintomas são passageiros, pode o advogado falar com mais tranquilidade para convencer e, quem sabe, vencer.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Argumentos típicos de acusação


Após assistir a inúmeros julgamentos pelo Tribunal do Júri, especialmente no interior do Estado de São Paulo, pude elencar alguns "argumentos" típicos de acusação. Em muitos casos, como se verá, temos verdadeiras falácias que, em verdade, não constituem argumentos. O objetivo desse post é fazer com que os jovens advogados reflitam a respeito de cada ponto destacado, para que estejam preparados para enfrentá-los e derrubá-los no plenário de julgamento.
Muitos promotores de justiça buscam inspiração no livro "Discursos de acusação: ao lado das vítimas", de Enrico Ferri, cuja leitura é também obrigatória para os advogados que pretendem atuar no júri. Outros, entretanto, preferem valer-se do senso comum, como se apresentassem um daqueles programas policiais sensacionalistas, buscando aterrorizar para conquistar a adesão dos jurados, ignorando que o fracasso da segurança deve-se ao próprio Estado.
Para tentar passar uma imagem de imparcialidade, dizem: "Sou promotor de justiça e não de acusação, não tenho interesse na condenação de um inocente e não ganho nada a mais e nada a menos em caso de condenação ou de absolvição, apenas represento a sociedade e, quando não estou convencido, posso pedir até mesmo a absolvição". Buscam, ainda, evidenciar que o advogado é sempre parcial e que defende a tese que interessa ao cliente porque está sendo pago.
Como argumento de autoridade, afirmam: "Faço isso há muitos anos, todos os dias, já estou acostumado. O réu, quando não pode negar, sempre inventa uma desculpa para o que fez, sempre inventa alguma mentira". A intenção é fazer com que os jurados pensem: "Se o promotor, que é experiente, diz que o réu está mentido, então o réu está mentindo". Alguns chegam a dizer que, apesar dos erros judiciários do passado, hoje em dia ninguém é acusado injustamente.
Muitos jurados sentem o peso da responsabilidade de decidir a respeito do futuro e da vida de um semelhante, então a acusação tenta demonstrar que podem ficar tranquilos, pois o réu não irá "apodrecer" na cadeia. Falarão sobre a progressão de regime, sobre a "saidinha", sobre a visita íntima, dirão que o réu terá cama e comida "de graça", e que a cadeia é ruim, mas o cemitério é pior, tentando estabelecer um paralelo entre as situações do réu e da vítima.
Depois de tranquilizar o conselho de sentença, dizem que a absolvição coloca em risco a sociedade, que o réu será solto e sairá pela mesma porta que os jurados e conviverá com os filhos dos jurados. Querem que os jurados acreditem que são responsáveis pela segurança pública, que precisam acabar com a impunidade e evitar a prática de crimes, condenando o acusado para dar exemplo à sociedade. Quase todos os discursos de acusação caminham nesse sentido.
Todo promotor de justiça sabe que deverá se utilizar da razão e da emoção para convencer os jurados,  então costumam mencionar o sofrimento da mãe, da esposa e dos filhos da vítima, para que os jurados se compadeçam e também dêem uma "resposta" a eles. De resto, a acusação irá explorar a prova dos autos, destacará as divergências existentes nos depoimentos e interrogatórios, buscará construir uma imagem negativa do acusado e refutará as teses da defesa.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A primeira liminar


Não existe previsão legal para a concessão de liminar em habeas corpus, mas os costumes trataram de reconhecê-la e hoje praticamente não há discussão a respeito. Atualmente, porém, por paradoxal que pareça, o habeas corpus demora cada vez mais tempo para ser julgado e quase não vemos decisões concedendo a ordem liminarmente.
Isso é extremamente preocupante, já que a liminar busca exatamente evitar um dano irreparável ou de difícil reparação, que somente tende a se acentuar com o passar do tempo. Penso que a morosidade no processamento do remédio heroico deveria fazer com que os julgadores dessem um pouco mais de atenção para as liminares.
Há Desembargadores que somente deferem pedidos de liminar em casos específicos e também há aqueles que não os deferem em nenhuma hipótese. A obtenção de uma decisão favorável em sede de liminar tem sido cada dia mais difícil, é quase como pretender encontrar a Mula sem cabeça, o Saci-pererê, o Curupira ou o Pé Grande.
Nessa toada, chegará um tempo em que a medida liminar em habeas corpus fará parte do folclore forense: "Eu sei que existe, mas nunca vi". Aliás, pode-se dizer que em algumas Câmaras e Turmas isso já  virou realidade. Dependendo da loteria, popularmente chamada de distribuidor, muito mais fácil é dar de cara com o Saci-pererê.
Digo, com toda a sinceridade e sem nenhuma hipocrisia, que o deferimento da medida liminar em matéria penal, salvo raras exceções, depende muito mais de fatores extrajurídicos do que dos fatos, do direito, do conteúdo e da qualidade da petição. Basta ver que há, curiosamente, personagens que conseguem-nas aos montes.
Réus primários, com bons antecedentes, residência fixa, ocupação lícita, processados por crimes praticados sem violência ou grave ameaça, aguardam o julgamento do remédio heroico no cárcere, enquanto alguns figurões, conhecidos "profanadores da República", que respondem a vários processos, não chegam a esquentar o colchão na cadeia.
O pior é que, por força da Súmula n.º 691 do Supremo Tribunal Federal, não cabe habeas corpus em face de decisão denegatória de liminar, salvo em situações excepcionalíssimas. Mas há casos que, embora considerados excepcionais por alguns julgadores, são logo rechaçados por outros. Essa é a realidade da medida liminar no Brasil.
Passei mais de um ano tentando de tudo. Cheguei até a reproduzir petições iniciais de habeas corpus de renomados advogados criminalistas, acessíveis através da visualização eletrônica de processos, sempre em casos análogos àqueles enfrentados pelos brilhantes colegas, mas não conseguia obter nenhuma decisão favorável.
Depois de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de advocacia, obtive a primeira decisão favorável em sede de liminar em habeas corpus. Foi na 6.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, com o Eminente Ministro Sebastião Reis Júnior. A essa altura, já pesquisava no sistema com a certeza da derrota, chegando a aceitá-la com antecedência.
O cliente havia respondido ao processo em liberdade, apelou em liberdade e o Tribunal de Justiça, ao confirmar a condenação, determinou a imediata expedição de mandado de prisão, sem nenhum fundamento idôneo. Interpusemos embargos declaratórios para fins de prequestionamento e, ao mesmo tempo, impetramos o habeas corpus.    
Aprendi que encaminhar uma minuta das razões do writ ajuda muito e já é suficiente para que o julgador decida se é ou não caso de concessão da liminar. Também percebi, como já destacado em outros posts, que não adianta fazer das petições verdadeiros tratados de direito. Com algumas mudanças as petições pelo menos passaram a ser lidas.
Quando possível, também é recomendada a ida ao gabinete do julgador para explicar a situação e justificar a necessidade de concessão da liminar. Alguns minutos de conversa são suficientes para resumir inúmeras páginas, chamando a atenção do magistrado para o caso, evitando um despacho pré-fabricado, aplicável a qualquer writ.  

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Doutor, o senhor garante?


O cliente é um consumidor que, no caso da advocacia, paga pela realização de um serviço, e espera, como todo cliente, bons resultados. É muito comum depararmo-nos com questões do tipo: O senhor garante? A resposta afirmativa a perguntas desse tipo deve ser evitada a qualquer custo, mesmo que implique na perda do pretenso cliente.
A conversa da família, nesses casos, é sempre a mesma: "O senhor garante que ele sai? Não! Garanto que farei o que estiver ao meu alcance para que ele saia, mas quem decide é o juiz, e se o juiz não soltar, iremos ao Tribunal e, se necessário, aos Tribunais Superiores. Ah, mas o Doutor Fulano falou que em cinco dias ele está na rua".
Há quem goste de se vangloriar dizendo: "Eu garanto"; "Eu solto"; "Eu absolvo". Profissionais assim podem até angariar novos clientes, mas com o passar do tempo vão perdendo a credibilidade, colocando em risco a imagem profissional e até mesmo a própria vida, e quem está habituado a militar na área criminal sabe muito bem disso.
Não há problemas na criação de um portfólio indicativo dos resultados já obtidos, mas as promessas de absolvição e de soltura são muito perigosas, até porque quem absolve ou solta é o juiz e não o advogado, que realiza um serviço de meio e não de fim. A melhor das defesas, nas mãos do pior dos juízes, pode não surtir efeito.
O advogado iniciante, quando se depara com os primeiros clientes, fica tentado a "garantir" o resultado para não perder para a concorrência, razão pela qual essa me parece uma das mais importantes lições a ser aprendida por aqueles que se iniciam na carreira. A única garantia é a da realização de um trabalho sério e de qualidade.
Alguns clientes optarão pelos advogados que "garantem" o resultado, mas algum tempo depois esses mesmos clientes retornam, insatisfeitos, dizendo que gastaram muito dinheiro e que não adiantou nada. Ninguém pode prometer algo que depende das decisões de uma outra pessoa, ou até mesmo de outras pessoas, como no júri.
O advogado deve ter a capacidade de perceber quais são as chances do cliente, explicando o que pretende fazer e o que almeja conseguir, deixando claros os riscos e prevendo possíveis surpresas. O insucesso na primeira instância, muitas vezes, pode ser revertido nas instâncias superiores, a menos que o advogado desista.
Nenhum advogado precisa sair dizendo que absolve, que solta, que faz e acontece. A construção da reputação de um profissional vai muito além do marketing pessoal e não depende tanto do que ele diz, mas daquilo que os outros dizem. Ademais, qualquer um pode consultar processos pelo nome do advogado no site do Tribunal e saber a verdade.
Quando estagiário, cansei de ver advogados dizendo que "ganhavam" muitos júris, que soltavam, que absolviam. Eu assistia aos julgamentos, pesquisava na internet e via que aquilo nem sempre era verdade. É preciso ter muito cuidado com esse tipo de prática, pois há muita gente que não sabe lidar com expectativas frustradas.