sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Pergunta "impertinente", tolerância zero


O juiz, presidindo a instrução, tem o poder de indeferir as provas consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias, conforme prescreve o artigo 400, § 1.º, do Código de Processo Penal. Curiosamente, verifica-se que, na prática, as provas requeridas pela acusação são sempre relevantes e pertinentes, enquanto as da defesa nem sempre merecem o mesmo tratamento por parte do juiz.
Costumo dizer que o advogado, muitas vezes, é como um boxeador que já entra no ringue com as mãos amarradas, para enfrentar um adversário extremamente preparado que conta, quase sempre, com a torcida declarada do árbitro, que em determinados momentos chega até a ajudar o seu favorito, passando uma rasteira ou permitindo um golpe baixo. A batalha é sempre desigual e nós estamos sempre errados.
Parece-me, aliás, que para alguns juízes e promotores o advogado é um ser equivocado por natureza. Mesmo quando nos escoramos na melhor doutrina, na jurisprudência dos tribunais e nos dispositivos legais, não exitam em dizer: "Mas eu entendo que isso não se aplica". Pobres dos advogados que, inseguros diante da firmeza do "Eu entendo", acabam aceitando um erro que não cometeram.
Talvez a norma hipotética fundamental imaginada por Kelsen seja esse "Eu entendo", que se coloca acima da Constituição Federal e da legislação infraconstitucional. Estamos sempre equivocados e nossas perguntas são, em sua grande maioria, ao que tudo indica, impertinentes. Antes mesmo de abrirmos a boca, brada o Magistrado: "Indefiro, impertinente". A nossa verdadeira sina é a impertinência.
Há quem insista em "pegar no pulo" a testemunha mentirosa, justificando a pertinência da pergunta, mas a justificativa serve, regra geral, como advertência à testemunha mal intencionada, que acaba se esquivando. Preparar as perguntas com antecedência, colocando-as numa ordem lógica, pode ajudar muito, mas nem isso é suficiente para evitar que o juiz as considere impertinentes.
A acusação pode fazer perguntas de caráter subjetivo, buscando as impressões pessoais da testemunha, pode induzir às respostas desejadas, pode intimidar o depoente ou refrescar-lhe a memória, lendo depoimentos anteriores, contando, quase sempre, com a complacência do juiz, cabendo à defesa insurgir-se em face dessas práticas rotineiras. Impertinentes, como já dito, são as perguntas da defesa.
É possível minimizar, mas não evitar o indeferimento de perguntas "impertinentes", já que tudo irá depender de um juízo subjetivo por parte do magistrado. Isso pode ser atribuído, em grande parte dos casos, à ordem de realização das perguntas. Apenas para ilustrar, trago uma situação enfrentada por mim recentemente, que pode ajudar os jovens advogados a sofrer menos com a sina da impertinência.
Policiais militares abordaram algumas pessoas que, segundo acreditavam, estavam envolvidas com a prática de golpes numa cidade interiorana. Como essas pessoas eram de fora, imaginaram que poderiam garantir o leitinho das crianças e resolveram praticar uma concussão, conduzindo todos, nas viaturas, até a zona rural, liberando um deles para que fosse até o banco e efetuasse um saque.
Quando a pessoa voltou ao local, trazendo apenas 1/10 do que havia sido exigido, os policiais militares deram voz de prisão em flagrante a todos pela prática dos crimes de corrupção ativa e formação de quadrilha. Como a palavra dos policiais tem muito valor, o delegado de polícia acreditou em tudo e ratificou a voz de prisão. Alguns foram soltos, outros não, mas todos foram denunciados.
Na audiência, tentando provar que houve concussão por parte dos policiais e que os acusados foram levados para a zona rural, um dos advogados, logo de cara, perguntou ao primeiro policial se havia GPS nas viaturas na data dos fatos, mas a pergunta foi considerada impertinente. Ora, qual é a relação entre os crimes de corrupção ativa e formação de quadrilha e a existência de GPS nas viaturas?
Existia uma relação, mas a ordem de formulação das perguntas estava equivocada, de modo que a Magistrada, naquele momento, entendeu que não havia pertinência. De outro lado, o policial percebeu que a história verdadeira viria à tona e já se preparou para as outras perguntas, para que pudesse justificar a ida até a zona rural. O advogado tentou pressionar, achando que o mentiroso se revelaria.
O ideal seria perguntar: A viatura permaneceu no local da abordagem? Por quanto tempo? Foram direto do local da abordagem para a delegacia? Em algum momento os acusados foram conduzidos à zona rural? Isso poderia levar a contradições entre os depoimentos dos policiais e a perícia nos aparelhos acabaria por desmenti-los. Não se deve iniciar as perguntas pelo ponto onde se quer chegar.
Basta ver o que juízes e promotores fazem com os acusados e com as testemunhas de defesa, dando corda até que a pessoa termine enforcada. Um delegado, sabendo que o acusado esteve no local do crime e antevendo um falso álibi, nunca coloca as cartas na mesa logo de cara. Primeiro ele deixa o investigado falar que estava em um local distante com outras pessoas, para depois leva-lo às contradições.
Se o investigado souber, desde o início, que o falso álibi foi rechaçado pela perícia, por exemplo, é evidente que tentará achar uma explicação. Difícil é dar uma explicação depois de afirmar que estava em outro lugar, e as contradições sempre pesam muito contra o investigado. Isso também se aplica às testemunhas mentirosas, que gostam tanto de falar, são tão eloquentes que acabam tropeçando.
Essas são apenas alguma dicas, mas ainda assim será muito difícil escapar do indeferimento das perguntas sempre "impertinentes" da defesa. O importante é não desistir da luta, independentemente do que aconteça, fazendo valer as nossas prerrogativas e reclamando sempre que necessário, fazendo constar em ata os cerceamentos impostos. O advogado bem preparado não deve se deixar abalar pelo "Eu entendo".

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