sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Peticionamento eletrônico

A modernidade vem exigindo que os operadores do direito estejam atentos aos avanços tecnológicos. O computador portátil, o celular, a câmerda fotográfica e o GPS já fazem parte do dia-a-dia do advogado. É bem verdade que ainda somos forçados a conviver com o papel, mas tudo leva a crer que isso não acontecerá no futuro, pois as tecnologias digitais chegaram para ficar.
Nessa perspectiva, diversos órgãos do Poder Judiciário já estão admitindo, ou até mesmo exigindo, o peticionamento eletrônico. No Supremo Tribunal Federal, por exemplo, as petições de habeas corpus, quando o impetrante for advogado, somente podem ser enviadas eletronicamente, e muita gente ainda não se acostumou com esse sistema.
O primeiro passo é obter um certificado digital junto à Ordem dos Advogados do Brasil, ou à Associação dos Advogados de São Paulo, caso se trate de associado. O certificado é um arquivo, armazenado em um chip, contendo uma série de informações a respeito da identidade do proprietário, como um documento de identidade.
Quando da obtenção do certificado, que ficará acondicionado no chip da carteira, o advogado receberá também um leitor com conexão USB, que vem acompanhado dos softwares necessários à instalação no computador. Após a instalação, bastará inserir a carteira no leitor conectado ao computador e digitar a senha para ser reconhecido.
A petição, depois de elaborada no processador de texto, deve ser convertida para o formato PDF. Há na internet uma série de sites que fazem isso gratuitamente. Todos os documentos que acompanharão a petição devem estar no mesmo formato e, portanto, precisam ser digitalizados por meio de um scanner, de preferência rotativo.
Os diferentes arquivos devem obedecer aos tamanhos recomendados pelos sites dos respectivos Tribunais. Todos devem receber a assinatura digital, realizada através de programas específicos para isso. Na página de peticionamento eletrônico do Supremo Tribunal Federal há dois assinadores digitais que funcionam muito bem.
Basta abrir cada os arquivos no programa, clicar em "assinar" e digitar a senha. No Superior Tribunal de Justiça o sistema é bem simples e funciona muito bem, é quase como enviar um e-mail com arquivos em anexo. Já no Supremo Tribunal Federal o sistema é péssimo, pois faz exigências desnecessárias e exige uma boa dose de paciência.
No site do Superior Tribunal de Justiça existe um "passo a passo" muito interessante¹. Quando instalei o sistema apanhei um pouco na instalação e nos primeiros peticionamentos, mas depois melhorou, salvo no Supremo Tribunal Federal, pelos motivos já expostos.
Tanto no site da Ordem dos Advogados do Brasil quanto no da Associação dos Advogados de São Paulo há informações a respeito da obtenção do certificado digital. Existem até cursos relacionados ao tema e cada vez mais seremos exigidos no que tange ao emprego da tecnologia. Trata-se, hoje, de instrumento imprescindível.
¹http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=991

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Sustentação oral: Órgão Especial


O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo é competente para julgar, dentre outras matérias, os incidentes de inconstitucionalidade. Reúne 25 (vinte e cinco) desembargadores: o presidente do Tribunal de Justiça, 12 (doze) dos mais antigos e 12 (doze) eleitos. E foi justamente num incidente de inconstitucionalidade que tive a oportunidade de assumir a tribuna.
Cheguei com antecedência e me inscrevi para a sustentação oral, era o primeiro inscrito e presumi que a ordem de inscrições seria observada. Antes de tudo foi realizada uma sessão administrativa para resolver assuntos de interesse do Tribunal de Justiça, depois foram analisados os processos cuja relatoria incumbia a Desembargadores convocados, que precisam votar logo para poderem se ausentar.
Na sequência foi realizado um intervalo de 20 (vinte) minutos e retornaram com o julgamento dos pedidos de preferência, que eram muitos. Depois foram realizados os julgamentos em bloco e somente então passaram para as sustentações orais, mas não observaram a ordem de inscrições. Passaram na minha frente o julgamento de uma ação penal. Uma serventuária veio informar que os demais ficaram como sobra.
Retornei na semana seguinte e tudo se repetiu. Mesmo as sobras da última sessão foram deixadas para o final, após o julgamento das preferências. E, mais uma vez, não observaram a ordem de inscrições. Depois de um longo período de espera, pude enfim assumir a tribuna. O Presidente me perguntou se eu dispensava a leitura do relatório, o que é muito comum, então respondi que sim.
Foi uma sustentação oral como qualquer outra, o que mudou foi o número de desembargadores - vinte e cinco - e de procuradores de justiça, que eram dois. Como de praxe, antes de iniciar a exposição, cumprimentei o Presidente, o relator, os demais desembargadores, os representantes do parquet, os serventuários e os colegas presentes. Fiz a introdução, argumentei e encerrei como de costume.
Alguns cuidados: É preciso dar atenção a todos os desembargadores, falar olhando para cada um deles, sem focar em um ponto fixo. Não é necessário, nas saudações iniciais, chamar cada um deles pelo nome, o que é até óbvio, já que são 25 (vinte e cinco). A sessão é muito demorada, sempre há mais de uma sustentação oral, então deve-se considerar que eles já estão cansados, o que recomenda uma sustentação objetiva, sem nenhum rodeio.
Trata-se de um verdadeiro exercício de paciência. Considerei, assim como outros colegas que estavam esperando, uma enorme falta de respeito e consideração para com os advogados, que esperam a tarde inteira para poder assumir a tribuna, quando não ficam como sobra. Quando há algo a comemorar, cada desembargador faz questão de prestar uma homenagem particular, prolongando a duração da sessão. Lembrei-me, mais uma vez, do saudoso personagem Rolando Lero.
Também há aqueles que, embora concordem com o relator ou com o voto divergente, não se limitam a dizê-lo, pois insistem em florear a discussão, prolongando-a de modo a torná-la ainda mais cansativa e enfadonha, dizendo novamente, com outras palavras, tudo o que já foi dito. Se mais algum desembargador precisar ir embora mais cedo, passarão na frente todos os processos em que ele vota, deixando para depois as preferências e as sustentações orais.
Acredito que o mais difícil foi manter a concentração e o ânimo depois de passar tanto tempo esperando. No meio da sessão o Tribunal de Justiça ainda recebeu a visita de desembargadores chineses, que assistiram à sessão por um breve período, mas foram embora quando perceberam que por aqui falamos português e não mandarim. Entendo que a Ordem dos Advogados do Brasil deveria prestar mais atenção no tratamento dispensado aos advogados no Órgão Especial.
Nas Câmaras as sustentações orais são realizadas logo no início da sessão, ou então imediatamente após os pedidos de preferência. Em situações muito excepcionais, quandou houver muitos pedidos de preferência e sustentação oral, é possível que haja adiamento por uma sessão.Por paradoxal que pareça, as Câmaras funcionam melhor que o Órgão Especial. Fica o alerta: alimentem-se bem e tenham paciência.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Citações jurisprudenciais e doutrinárias

Quando comecei a advogar minhas petições pareciam verdadeiros tratados, contendo diversas citações jurisprudenciais e doutrinárias, alcançando um grande número de laudas. Imaginava, ingenuamente, que os Magistrados leriam cada uma delas com atenção, até que comecei a perceber que isso raramente - ou quase nunca - acontecia.
Notei então que os resultados foram melhorando na medida em que a quantidade de laudas diminuía. As petições ganharam em objetividade e concisão, mas sem perder a qualidade no que tange ao conteúdo. A respeito do tema, vale citar o grande advogado Clarence Darrow: "Não é preciso defender bonito, é preciso defender útil".
Percebi que não é necessário destacar um sem número de recortes jurisprudenciais no mesmo sentido para evidenciar um entendimento já sedimentado. Basta, em casos como esse, citar um único recorte jurisprudencial que mencione tratar-se de entendimento sedimentado. Pouco adianta, também, trazer citações de outros Estados.
Em primeira instância deve-se utilizar jurisprudências do Tribunal Estadual, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que guardem relação de pertinência com a matéria em discussão. Não adianta instruir um pedido de revogação da prisão preventiva num caso de tráfico com um precedente de roubo. Essa questão da pertinência, aliás, vale para todas as instâncias.
Nos Tribunais, o ideal é demonstrar que a respectiva câmara ou turma, num caso análogo, já decidiu nos termos pretendidos pela defesa. Há diferenças ideológicas entre as câmaras e turmas, algumas são mais liberais e outras menos, de modo que os precedentes de uma câmara ou turma dificilmente influem nas decisões das outras.
Pode, contudo, haver exceções. Em se tratando de uma tese nova, de uma discussão recente, todo e qualquer precedente pode e deve ser utilizado, para que possa servir como um norte para os julgadores. Mas naqueles casos que se repetem aos milhares, vale a regra.
Não é preciso uma citação jurisprudencial para cada tópico da petição. O ideal é que se reserve as citações para os pontos mais controversos. Ora, não é necessário citar a jurisprudência para evidenciar o cabimento de embargos declaratórios em casos de omissão. Se o juiz não soubesse disso dificilmente teria passado no concurso.
Tudo isso se aplica à doutrina. Existem alguns conhecimentos básicos, elementares, exigidos de todos aqueles que atuam na área criminal. Não é necessário perder tempo com citações doutrinárias para que o juiz entenda o que é o crime ou quando é cabível o habeas corpus. Conhecimentos básicos não precisam ser corroborados.
É interessante utilizar os autores mais citados pelos respectivos Tribunais, dando preferência aos mais renomados, pois pouco adiantaria citar um autor completamente desconhecido. Existem muitos professores de cursinho que transformam apostilas em doutrinas, algumas de qualidade, mas muitas extremamente carentes de conteúdo.
Também não é recomendada a utilização de um grande número de citações doutrinárias, porquanto não se trata de uma tese de mestrado. A opinião de dois ou três juristas renomados costuma ser suficiente, sempre em alusão às questões controvertidas abordadas. Já vi petições trazendo mais de cinco citações - algumas em italiano - para explicar para o juiz qual é o conceito de prova.
Muitos clientes acreditam que petições enormes refletem a qualidade do trabalho do profissional, então alguns advogados aumentam o tamanho da letra e exageram na quantidade de citações para impressionar os desavisados. Isso, a meu ver, reflete negativamente nos resultados, já que a petição dificilmente será lida na íntegra.
Também há quem acredite que juízes e desembargadores ficarão impressionados com uma petição gigantesca, contendo inúmeras citações. Se considerado o grande número de processos, muito mais fácil é impressionar com uma redação objetiva, coesa, coerente e bem escrita. Não há um número de laudas ideal, o que manda é o bom senso. 

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A prova por "ouvir dizer" no Júri

No filme "Carandiru", o personagem conhecido pelo vulgo "Barba", quando perguntado a respeito do crime pelo qual estava sendo acusado, disse: "Alguns dizem que fui eu, mas não viram, outros dizem que viram que eu não fui". Mesmo na dúvida, "Barba" estava encarcerado. Essa situação repete-se diuturnamente na área criminal.
Muitos crimes dolosos contra a vida não são praticados na presença de testemunhas, mas em face da gravidade desses delitos a polícia sempre precisa de um suspeito, que costuma ser o primeiro que aparecer. Logo surgem as denúncias anônimas e as testemunhas indiretas, aquelas que não viram quem foi, mas  "ouviram dizer".
Relatado o inquérito policial, via de regra, o Ministério Público encampa a tese levantada pela polícia e termina por denunciar o suspeito. No decorrer da instrução, quando as testemunhas aparecem, afirmam: "Ouvi dizer que foi ele"; "Disseram que foi ele", etc. Isso se deve, boa parte da vezes, aos familiares da vítima.
É comum que, encerrada a instrução, o Magistrado, mesmo sem ter a certeza de que o acusado participou do crime, se utilize do malfadado in dubio pro societat para pronunciá-lo e encaminhá-lo a julgamento pelo Tribunal Popular. Atuam, nesse ponto, tal como Pilatos, sem pensar nos riscos de uma decisão injusta por parte dos jurados.
Durante o julgamento, embora reconheçam que não há provas, podem os jurados decidir com base nos antecedentes do acusado, na aparência, na má impressão causada pelo uso de algemas e pelas roupas do presídio, e em muitos outros detalhes alheios à prova dos autos. Tem-se então uma decisão injusta, que poderia ter sido evitada.
Caberá ao advogado interpor recurso de apelação, sustentando que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, objetivando conseguir um novo julgamento. Há precedentes que desconsideram os depoimentos prestados por testemunhas indiretas.
Vejamos um exemplo: "[...] Diante de tal contexto, de se concluir que a decisão dos senhores jurados, amparada tão somente na palavra das testemunhas que supõe que o recorrente tenha participado do delito, contrariou os elementos de convicção reunidos, de modo que o julgamento deverá ser renovado" (TJSP, Apel. n.º 0000579-03.2005.8.26.0606, Rel. Des. Francisco Menin, J. 28.04.2011).
Os romanos diziam que "A testemunha deve depor sobre o que sabe e o que presenciou e não com base no sentir de outrem". Os americanos não admitem o testemunho indireto, asseverando que "Ouvir dizer não é evidência". Aqui o testemunho indireto é admitido, mas é possível argumentar em sentido contrário, especialmente no Júri.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Advogado não fabrica documentos

Em regra uma defesa lastreia-se na versão do cliente a respeito da acusação, acrescida de alguns detalhes técnicos que devem ser ressaltados pelo advogado. É muito importante que o advogado tenha uma noção ampla de tudo o que aconteceu, com riqueza de detalhes, razão pela qual deve extrair do cliente, das testemunhas e de documentos tudo o que precisar para realizar uma defesa eficiente.
Muitos clientes enchergam o advogado como um juiz e, ao narrar os fatos, ficam na defensiva, chegando a omitir e até mesmo a mentir a respeito dos fatos, talvez imaginando que isso facilite o trabalho da defesa. É preciso ter sensibilidade para perceber quando isso acontece e submeter o cliente a um verdadeiro interrogatório, com o escopo de evidenciar lacunas e contradições na narrativa.
Há situações extremamente complexas, que dificultam a compreensão do advogado acerca dos fatos. Nesse caso, recomenda-se a elaboração de perguntas escritas e pontuais, que devem ser respondidas pelo cliente também por escrito, para facilitar a elaboração da defesa. Isso é muito comum em crimes empresariais, que normalmente envolvem dados administrativos, financeiros e contábeis.
Não basta alegar que uma empresa deixou de pagar impostos por conta de uma crise no setor e da difícil situação financeira enfrentada, sem encartar aos autos documentos aptos a comprovar o alegado. Em muitos casos pode-se exigir uma análise contábil para verificar a viabilidade da tese e municiar a defesa para o processo que se avizinha. Todos os documentos devem ser entregues pelo cliente.
O advogado deve elaborar uma lista com os documentos necessários e entregá-la ao cliente, pedindo para que sejam providenciados com urgência. Caso não sejam adotados alguns cuidados mínimos como esse, eventual insucesso da tese defensiva, como é sabido, será atribuído ao advogado. Não cumpridas as exigências, deve-se alertar o cliente, deixando claro que haverá prejuízo no curso do processo.
Quando forem necessários documentos para corroborar a tese defensiva, todas as diligências possíveis devem ser realizadas no afã de obtê-los. É óbvio que o advogado tem o dever de realizar uma defesa efetiva, mas isso não significa escorar-se em teses implausíveis e inverossímeis, que podem até mesmo macular a credibilidade do profissional. Nenhum juiz gosta de ser tomado por idiota.
Advogados não fabricam documentos, às vezes chegam perto, mas não fazem mágica. O conhecimento teórico, a boa técnica, a experiência e a prática são essenciais, mas nada disso adianta se o advogado não tiver munições à disposição, e elas estão com o cliente. Já não há mais espaço para uma defesa passiva, é necessário participar efetivamente da produção da prova na delegacia e em juízo.   

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Cadê o alvará de soltura?


Quem ainda não se acostumou a militar na área criminal pode imaginar que o trabalho do advogado termina com a decisão que concede a liberdade, mas a prática evidencia que isso não corresponde à realidade. O cliente e a família, ao invés de ficarem felizes com a decisão, desesperam-se na espera pelo alvará de soltura. Isso incomoda, mas é preciso compreender essa ansiedade.
É sempre bom dar uma passada no cartório para conversar com o escrevente e, conforme o caso, com o respectivo diretor, para tentar acelerar a confecção e o envio do alvará de soltura. A experiência também demonstra que ficar plantado em frente ao cartório ajuda a acelerar ainda mais esse processo, mas isso nem sempre é possível. Recomenda-se que a cobrança seja realizada por telefone.
De acordo com a Resolução n.º 108 do Conselho Nacional de Justiça o alvará de soltura deverá ser expedido e cumprido no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas. O não cumprimento do alvará na forma e no prazo estipulados implicará em notificação à Corregedoria. Em caso de inobservância do prazo por parte do cartório deve-se comunicar o juiz competente para a adoção das medidas pertinentes.
O sacrifício do advogado para conseguir uma decisão favorável, especialmente em se tratando de habeas corpus, não vale nada enquanto o cliente não estiver em liberdade. As famílias, muitas vezes, esperam conformadas ao longo de toda a batalha, mas surtam na espera pelo alvará de soltura. Compreensão e uma boa dose de paciência caem bem, tanto na relação com a família quanto no que toca ao cartório.
O alvará de soltura será encaminhado através de oficial de justiça ou por fax. Na maioria dos estabelecimentos penais os detentos somente podem ser colocados em liberdade até um determinado horário, caso contrário o cumprimento do alvará ocorrerá no dia seguinte. Portanto, também é necessário entrar em contato com o estabelecimento prisional, para tentar acelerar a liberação.
Quando consegui a primeira liberdade provisória, logo reparei que o direitor do cartório não tinha nenhuma pressa, então resolvi cobrar e esperar. Depois de esperar, na segunda cobrança ele me disse: "Se fosse bonzinho não estaria lá". Ao final do processo o "malvadão" foi absolvido, mas engana-se quem pensa que isso afetou o serventuário. Salvo algumas exceções, a maioria não se importa.
Na época eu me calei, pois imaginei que ele estava esperando uma resposta ríspida para atrasar ainda mais a expedição do alvará de soltura. Hoje me pergunto se fiz a coisa certa e concluo que não, mas pelo menos o cliente foi solto e isso é o que mais importa para o advogado. Como dizem: "O maior prazer de uma pessoa inteligente é fingir ser idiota diante de uma pessoa idiota que finge ser inteligente". 
Até mesmo para o advogado é difícil entender a angústia do preso e da família, então é preciso relevar e se acostumar, torcendo para que isso se repita muitas e muitas vezes, como reflexo de muitas decisões favoráveis. Eu, particularmente, espero enfrentar esse tipo de aborrecimento muitas outras vezes, pelo resto da vida, se possível. 

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Apartes no júri

O aparte consiste na intervenção de uma das partes quando a outra estiver com a palavra. De acordo com o artigo 497, inciso XII, do Código de Processo Penal, os apartes serão regulamentados pelo juiz presidente, que poderá conceder até 03 (três) minutos para cada aparte requerido, acrescentando o tempo utilizado ao tempo do aparteado. É possível, contudo, que o detentor da palavra conceda o aparte sem a intervenção do juiz presidente, razão pela qual a doutrina costuma fazer distinção entre o aparte autorizado e o aparte consentido.
Há quem diga que os apartes são o tempero dos debates, com o que concordo, mas há também quem afirme, como faz Borges da Rosa, que para esclarecer ou refutar existem a réplica e a tréplica. O que não se pode admitir são os discursos paralelos, sem a autorização do detentor da palavra, que acontecem frequentemente. Cabe lembrar, a esse respeito, que os apartes muitas vezes são empregados como técnica, para interromper o raciocínio do orador ou dispersar a atenção dos jurados, e não como forma de esclarecer ou refutar.
O orador deve ter cuidado para não perder tempo discutindo com o aparteador, esquecendo-se dos jurados. Ao perceber que os apartes estão sendo desvirtuados, pode o orador recusá-los, cabendo ao juiz presidente autorizá-los ou não. Se o aparteante insistir nos discursos paralelos e continuar resmungando sem pedir o aparte, é possível pedir ao juiz presidente a garantia da palavra, fazendo consignar em ata os abusos verificados. Também é possível esclarecer aos jurados a finalidade dos apartes, mostrando que estão sendo distorcidos.
Há promotores de justiça que não admitem que o advogado exerça a defesa, que não se conformam com o contraditório, atuando como verdadeiros fanáticos, donos da verdade, chegando a impedir o exercício da defesa plena assegurado pela Constituição. Cabe lembrar que, nos termos do artigo 43, inciso IX, da Lei Orgânica do Ministério Público, os representantes do parquet tem o dever de tratar as partes com urbanidade. Trata-se, no fundo, de uma questão de educação, mas nada como o texto legal para refrescar a memória.
Os apartes fazem parte da tradição no tribunal popular e as partes podem estabelecer um acordo, admitindo os apartes consentidos ou exigindo a autorização do juiz presidente, conforme determina a lei. Importante frisar que aquele que apartear não deverá recusar eventuais apartes quando de sua fala, a não ser que haja excessos, pois isso pode ser utilizado como argumento pela parte contrária, que certamente será mal interpretado pelos jurados. Salvo em hipóteses excepcionais, não faço apartes, e prefiro aqueles autorizados pelo juiz presidente.
É fundamental, após receber um aparte, refutar a alegação para os jurados e voltar para o ponto onde estava antes da interrupção. Para isso é importante seguir um roteiro, que facilita muito em momentos como esse. Normalmente os apartes atrapalham, mas também podem ser úteis,pois é possível revidar de modo a fazer com que o aparteador se arrependa de tê-lo utilizado para dizer bobagens, sempre com classe e presença de espírito. A dialética dos apartes ajuda os jurados, mas brigas e discussões costumam desagradar muito.
Sempre haverá aqueles que pretendem "ganhar no grito", mas o advogado deve manter a postura, sem se intimidar, tanto para recusar o aparte quanto para respondê-lo. A rigor, quem precisa valer-se do aparte como técnica não costuma ter muitos recursos à disposição. A principal dica é ter cuidado para não entrar numa longa discussão com o aparteador, deixando os jurados completamente de lado e perdendo um tempo precioso. 

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Os absurdos da fiança

Sabe-se que a Constituição Federal considera inafiançáveis os crimes de racismo, tráfico de drogas, terrorismo e aqueles definidos como hediondos. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a vedação à fiança não pode ser entendida como vedação à liberdade, o que leva à conclusão segundo a qual, em crimes dessa natureza, é possível a concessão de liberdade provisória sem fiança.
O problema surge quando verificamos que, com o advento da nova lei, crimes menos graves, com pena máxima inferior a 04 (quatro) anos, estão recebendo tratamento mais gravoso, haja vista a exigência de fiança. Há um sem número de pessoas presas por furto e receptação, por exemplo, porque não tem condições de arcar com a fiança. A situação é manifestamente desproporcional e chega a ser absurda.
O indivíduo preso em flagrante pela prática dos crime de homicídio qualificado, latrocínio ou tráfico de drogas, por exemplo, pode ser contemplado com a liberdade provisória sem fiança, enquanto aquele preso por furto precisa pagar fiança para ser solto. Ou seja, aquele que pretende praticar um furto para "levantar um dinheiro" logo concluirá que talvez seja melhor vender drogas.
Além dessa desproporcionalidade evidente, vemos que a fiança tem sido arbitrada em valores elevados, para evitar que a pessoa seja solta. Utilizam-se as autoridades dos mais diversos malabarismos para justificar a fixação de valores que o indivíduo não terá como pagar. Cabe frisar que a lei prescreve os critérios para a fixação do valor mas, na prática, fica a critério do humor dessas autoridades.
É óbvio que alguém que recebe R$ 500,00 (quinhentos reais) para conduzir um veículo produto de crime não terá condições de pagar uma fiança arbitrada de acordo com o valor comercial do automóvel, pois se tivesse essa quantia certamente não precisaria fazer o que fez. A nova lei é mais benéfica, mas está sendo violada por uma via transversa, por mais que haja previsão de isenção ou redução.
A lei surgiu com um enfoque mais garantista, no afã de reservar a prisão para os casos mais graves, como verdadeira exceção, mas não foi bem recebida por muita gente. Temos na fiança mais uma prova de que a justiça criminal é seletiva, pois assegura a liberdade aos ricos na mesma medida em que impõe o cárcere aos pobres.
Não tenho a pretensão de travar um debate acadêmico e teórico, mas apenas de suscitar algumas reflexões a respeito do enfoque seletivo dado ao instituto. O curioso é que, nos crimes menos graves, antes dessa nova lei, a pessoa acabava solta em poucos dias. Hoje as autoridades se valem de uma lei mais benéfica para manter o indivíduo preso, apenas porque não tem dinheiro para pagar a fiança.
Aliás, a questão sequer exige um debate acadêmico ou teórico, pois basta o bom senso. Exige-se apenas um mínimo de raciocínio jurídico, o que, feliz ou infelizmente, não se aprende em sinopses de cursinho. O enfoque aqui é prático e a prática somente evidencia a derrocada da justiça criminal no país da "ordem e progresso".