sexta-feira, 26 de abril de 2013

O primeiro júri


Fiz um post sobre o meu primeiro flagrante e não poderia deixar de lado o meu primeiro júri. Não pretendo tratar a respeito da preparação, pois já escrevi a respeito desse tema numa outra postagem. Apenar narrarei o que aconteceu, de maneira bem resumida, dando uma ênfase especial à produção da prova pela defesa, já que isso, no meu caso, fez toda a diferença em meu primeiro júri.
Fui nomeado por força do convênio de assistência judiciária gratuita para defender um desafortunado que foi denunciado pelos crimes de ameaça e tentativa de homicídio qualificado pelo motivo torpe. De acordo com a denúncia, ele havia ameaçado a ex-companheira num sábado à noite e, no domingo, desferiu 09 (nove) facadas na mesma, porque esta recusou-se a "retirar a queixa" registrada.
Acompanhei o processo desde o início e logo percebi que o motivo apontado na denúncia estava errado, já que o acusado, em verdade, estava desconfiado de que a ex-companheira estava tendo um caso com o próprio genro. Optei por trazer à tona o verdadeiro motivo do crime somente no júri, razão pela qual orientei o acusado a manter-se em silêncio quando de seu interrogatório na audiência de instrução.
A materialidade e a autoria eram indiscutíveis e ele foi pronunciado. Como ele estava preso, não recorri, para que o julgamento não demorasse a acontecer. Eu previa que, na data do julgamento, ele já estaria preso provisoriamente há aproximadamente 01 (um) ano e 03 (três) meses aproximadamente, e eu sabia que isso seria levado em consideração na fase de dosimetria.
No dia do julgamento, por conta das recusas imotivadas, o Conselho de Sentença foi formado por 05 (cinco) homens e 02 (duas) mulheres. Na instrução, busquei enfatizar o verdadeiro motivo do crime, deixando claro, através das testemunhas e do interrogatório do réu, que o antecedente psíquico da ação havia sido o ciúme e não o fato de a vítima ter se recusado a "retirar a queixa".
A acusação, percebendo isso, pediu a exclusão da qualificadora em sua sustentação, de modo que chegamos a uma tese comum, já que era isso o que eu queria. Expliquei aos jurados que o motivo descrito na denúncia estava errado e que o ciúme não configura motivo torpe, valendo-me, para tanto, da doutrina e da jurisprudência. Os jurados acolheram a tese comum e afastaram a qualificadora.
O réu tinha uma condenação por porte de drogas para consumo pessoal, duas condenações por porte de arma e duas condenações por furto, contava, portanto, com maus antecedentes e ainda era reincidente. Acabou condenado a 04 (quatro) anos e 03 (três) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, restando-lhe cumprir aproximadamente 07 (sete) meses de pena antes de ser libertado.
Muitos imaginam que o júri se resume aos debates e se esquecem da produção de provas. O advogado tem a obrigação de produzir as provas que confirmem as teses defensivas, ao invés de ficar esperando a acusação produzir as provas desfavoráveis para então criticá-las. Não basta atacar as provas de acusação, é preciso produzir as de defesa, no afã de convencer os jurados também pelo conteúdo.
A instrução em plenário teve um papel fundamental. Do contrário a acusação certamente teria sustentado a qualificadora do motivo torpe e então teríamos um crime hediondo, com progressão de regime em 3/5 para o réu reincidente, e com pena mínima de 12 (doze) anos. Portanto, não basta se preparar apenas para os debates, pois o resultado pode ser decidido muito antes, na instrução.
Também é preciso ter sensibilidade para saber qual é o resultado que pode ser obtido. Não adianta sustentar uma tese absurda, implausível. O réu era usuário contumaz de drogas, com péssimos antecedentes, reincidente, ameaçou a vítima de morte e, pelo que se apurou, tentou cumprir a ameaça no dia seguinte, diante de testemunhas. Concluo que o afastamento da qualificadora ficou de bom tamanho.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Pela ordem, Senhor Presidente!


O advogado tem o direito de usar a palavra, pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal, mediante intervenção sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, documentos ou afirmações que influam no julgamento, bem como para replicar acusação ou censura que lhe forem feitas, nos termos do artigo 7.º, inciso X, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.
Recentemente, no julgamento de uma apelação, após a sustentação oral, o Procurador de Justiça fez uma série de adjetivações à defesa e mentiu descaradamente, fazendo afirmações que não encontravam arrimo nos autos. Quando ele terminou, pedi a palavra, pela ordem, para esclarecer algumas questões de fato, mas o pedido foi arbitrariamente indeferido pelo Desembargador Presidente.
Sua Excelência argumentou que a minha oportunidade de manifestação havia se esgotado na sustentação oral e que eu não poderia falar. Insisti, dizendo que se tratava de uma prerrogativa profissional, assegurada por Lei Federal, e aproveitei para falar o que queria mesmo diante do indeferimento da questão de ordem. Ao final, os advogados presentes estavam inconformados.
Jovens advogados, não se deixem intimidar diante da arbitrariedade. Saibam fazer valer as suas prerrogativas profissionais e peçam para consignar em ata o indeferimento da questão de ordem. Aqueles que agem dessa forma costumam ser firmes, às vezes até ríspidos, como se efetivamente estivessem com a razão, esperando que o advogado sinta-se intimidado e recue imediatamente.
Não acredito que o Eminente Desembargador desconheça o Estatuto da Advocacia e estou certo de que, pela experiência, sabe muito bem que é possível pedir a palavra pela ordem para esclarecer questão de fato. A única explicação é o arbítrio, a prepotência, a arrogância. Isso, infelizmente, ainda é muito comum, tanto na primeira instância quanto na segunda, mas o advogado não pode quedar-se inerte.
Quanto ao referido Procurador de Justiça, acredito tratar-se de uma exceção na segunda instância, com a qual, infelizmente, tive o desprazer de me encontrar em duas oportunidades. Já sustentei oralmente em diversas câmaras e sempre me deparei com Procuradores de Justiça educados, cordiais e íntegros, capazes de manter a compostura e o respeito mesmo discordando veementemente da defesa.
Estamos todos sujeitos a esse tipo de acontecimento, nas audiências, no júri ou nos tribunais. O importante é saber como agir nessas situações, fazendo valer as prerrogativas profissionais do advogado. Lembrem-se sempre de pedir a palavra pela ordem sempre que necessário, nos termos da lei, e de pedir para consignar em ata todos os cerceamentos eventualmente impostos à defesa.