Fiz um post sobre o meu primeiro flagrante e não poderia deixar de lado o meu primeiro júri. Não pretendo tratar a respeito da preparação, pois já escrevi a respeito desse tema numa outra postagem. Apenar narrarei o que aconteceu, de maneira bem resumida, dando uma ênfase especial à produção da prova pela defesa, já que isso, no meu caso, fez toda a diferença em meu primeiro júri.
Fui nomeado por força do convênio de assistência judiciária gratuita para defender um desafortunado que foi denunciado pelos crimes de ameaça e tentativa de homicídio qualificado pelo motivo torpe. De acordo com a denúncia, ele havia ameaçado a ex-companheira num sábado à noite e, no domingo, desferiu 09 (nove) facadas na mesma, porque esta recusou-se a "retirar a queixa" registrada.
Acompanhei o processo desde o início e logo percebi que o motivo apontado na denúncia estava errado, já que o acusado, em verdade, estava desconfiado de que a ex-companheira estava tendo um caso com o próprio genro. Optei por trazer à tona o verdadeiro motivo do crime somente no júri, razão pela qual orientei o acusado a manter-se em silêncio quando de seu interrogatório na audiência de instrução.
A materialidade e a autoria eram indiscutíveis e ele foi pronunciado. Como ele estava preso, não recorri, para que o julgamento não demorasse a acontecer. Eu previa que, na data do julgamento, ele já estaria preso provisoriamente há aproximadamente 01 (um) ano e 03 (três) meses aproximadamente, e eu sabia que isso seria levado em consideração na fase de dosimetria.
No dia do julgamento, por conta das recusas imotivadas, o Conselho de Sentença foi formado por 05 (cinco) homens e 02 (duas) mulheres. Na instrução, busquei enfatizar o verdadeiro motivo do crime, deixando claro, através das testemunhas e do interrogatório do réu, que o antecedente psíquico da ação havia sido o ciúme e não o fato de a vítima ter se recusado a "retirar a queixa".
A acusação, percebendo isso, pediu a exclusão da qualificadora em sua sustentação, de modo que chegamos a uma tese comum, já que era isso o que eu queria. Expliquei aos jurados que o motivo descrito na denúncia estava errado e que o ciúme não configura motivo torpe, valendo-me, para tanto, da doutrina e da jurisprudência. Os jurados acolheram a tese comum e afastaram a qualificadora.
O réu tinha uma condenação por porte de drogas para consumo pessoal, duas condenações por porte de arma e duas condenações por furto, contava, portanto, com maus antecedentes e ainda era reincidente. Acabou condenado a 04 (quatro) anos e 03 (três) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, restando-lhe cumprir aproximadamente 07 (sete) meses de pena antes de ser libertado.
Muitos imaginam que o júri se resume aos debates e se esquecem da produção de provas. O advogado tem a obrigação de produzir as provas que confirmem as teses defensivas, ao invés de ficar esperando a acusação produzir as provas desfavoráveis para então criticá-las. Não basta atacar as provas de acusação, é preciso produzir as de defesa, no afã de convencer os jurados também pelo conteúdo.
A instrução em plenário teve um papel fundamental. Do contrário a acusação certamente teria sustentado a qualificadora do motivo torpe e então teríamos um crime hediondo, com progressão de regime em 3/5 para o réu reincidente, e com pena mínima de 12 (doze) anos. Portanto, não basta se preparar apenas para os debates, pois o resultado pode ser decidido muito antes, na instrução.
Também é preciso ter sensibilidade para saber qual é o resultado que pode ser obtido. Não adianta sustentar uma tese absurda, implausível. O réu era usuário contumaz de drogas, com péssimos antecedentes, reincidente, ameaçou a vítima de morte e, pelo que se apurou, tentou cumprir a ameaça no dia seguinte, diante de testemunhas. Concluo que o afastamento da qualificadora ficou de bom tamanho.