quinta-feira, 2 de julho de 2015

A OAB e a restrição às redes sociais


Independentemente da profissão, o início é sempre muito difícil, pois leva tempo até que o profissional alcance alguma visibilidade no mercado. Na advocacia a situação se complica, na medida em que há inúmeras restrições à propaganda, o que é até razoável, mas, com o advento das redes sociais, os jovens advogados encontraram ferramentas importes para a manutenção e ampliação de suas redes de relacionamento.
Atualmente, porém, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil estuda novas restrições à publicidade, buscando atingir a utilização das redes sociais. Essa medida, extremamente inoportuna nos dias atuais, visa, a toda evidência, beneficiar os advogados já estabelecidos no mercado, causando enorme prejuízo àqueles que se iniciam na profissão, contrariando, sem justificativas, tendências inevitáveis.
O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil e o Código de Ética já disciplinam a publicidade, de sorte que os dispositivos a esse respeito aplicam-se perfeitamente à utilização das redes sociais, possibilitando a punição do profissional quando houver abuso. A restrição pura e simples, voltada às redes sociais, contudo, é uma medida arbitrária e desarrazoada, manifestamente incompatível com a modernidade.
Dizer que as redes sociais apenas favorecem as grandes bancas, com elevado poder econômico, e que é isso o que se pretende coibir soa até ridículo. Essa proposta busca, justamente, beneficiar as grandes bancas e os advogados já renomados, mantendo os jovens advogados nas sombras, a fim de que não sejam notados e conhecidos, restringindo o ainda mais o mercado. Estão dando as costas, mais uma vez, aos jovens advogados.
Por que não se insurgem contra os baixíssimos salários pagos aos advogados em início de carreira? Por que concordam com o pagamento de honorários pífios nos convênios firmados? É difícil encontrar algum jovem advogado que não tenha a impressão de que o pagamento da anuidade não traz nenhum retorno, pois, verdade seja dita, não traz mesmo. Não bastasse isso, ainda pretendem excluir os jovens advogados do mapa.
Tudo gira em torno da internet e qualquer pessoa de mediana inteligência percebe isso. Somente a advocacia vai ficar presa ao "cartãozinho"? Ninguém está pedindo para anunciar na televisão ou em outdoors, o que se pretende é, unicamente, existir, na medida em que, na atualidade, o que não está na internet não está no mundo. Uma entidade de classe não deveria se preocupar em a atacar a própria classe.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Tribunal do júri: storytelling


Todo processo busca, de certa forma, reconstruir um fato histórico, a fim de que o juiz possa, através das provas produzidas, formar o seu convencimento. Esse fato, aliás, conforme aponta a doutrina, é o próprio objeto do processo, ou seja, o fato criminoso imputado ao acusado. Isso também se aplica ao Tribunal do Júri, exceto no que tange à apreciação, que será realizada pelos jurados e não pelo juiz togado.
É comum verificar advogados e promotores que atuam no Tribunal do Júri quase que de maneira passiva, limitando-se à leitura de laudos, depoimentos, doutrina e jurisprudência, o que, a toda evidência, não se mostra eficaz. Nesses casos, em verdade, os jurados se mostram cansados e entediados, o que obviamente prejudica o processo de persuasão, sobretudo quando os recursos de comunicação são limitados.
Depois de assistir a alguns vídeos, conheci um método chamado de storytelling, que consiste, em resumo, na explanação de um assunto através de uma história. Pesquisei mais a respeito e, desde o primeiro júri, procurei utilizá-lo, adaptando-o, obviamente, ao contexto de cada julgamento e às necessidades de cada caso concreto. O objetivo deste artigo é, basicamente, explicar o funcionamento do método.
Sei, por experiência, que os jurados costumam considerar o perfil do acusado, o perfil da vítima e o motivo do crime, e sempre tive como pressuposto que nenhuma pessoa se sente bem diante da responsabilidade de condenar alguém, procurando, muitas vezes, encontrar algum motivo para decidir de modo a causar o menor dano possível. Uma história atraente e plausível, nesse contexto, pode dar resultado.
O jurado não se apega às vírgulas do processo e não há tempo suficiente para minúcias. É preciso contar a história para os jurados de acordo com as teses cuja admissão se pretende, prendendo-lhes a atenção e despertando-lhes a curiosidade. Não se deve, porém, incorrer em exageros ou encenações espalhafatosas, que podem refletir negativamente na credibilidade, que é um elemento muito importante.
Sempre começo pela história de vida do acusado, afinal, o réu não nasceu no dia do crime e, além disso, não deve ser tratado de maneira impessoal, distante. Também por essa razão procuro referir-me ao réu sempre pelo nome, e discorro a respeito de sua família e das circunstâncias por ele enfrentadas até o momento em que o crime ocorreu.
Conto a história da vítima, cujo passado não pode ser ignorado, e os jurados precisam conhecer os personagens principais do enredo. Pode haver, ainda, personagens coadjuvantes que desempenharam papeis relevantes no desenrolar dos fatos, os quais precisam ser identificados e individualizados, para que os jurados possam conhecê-los.
É muito importante explicar a relação entre o acusado e a vítima, o momento em que se conheceram e a relação que mantinham, ou o momento em que se encontraram, caso se trate de um evento acontecido aleatoriamente. Chega-se, enfim, aos antecedentes que levaram ao fato principal e ao próprio fato, que devem ser descritos em detalhes.
O importante é que a história seja assimilada pelos jurado e admitida como plausível. Não deve haver, num primeiro momento, preocupação com a explicação de questões técnicas envolvendo a lei, laudos periciais, doutrina e jurisprudência. É preciso, antes, criar um cenário favorável, para que o jurado possa, num segundo momento, aderir às teses.
É preciso, sem dúvida, rebater os argumentos contrários, reforçando os favoráveis, mas isso tudo também pode ser feito ao longo da explanação da história. O fundamental é que os jurados visualizem mentalmente as cenas, como se fizessem parte da história, como se pudessem sentir o que os personagens sentiam quando vivenciaram os fatos.
A empatia e a antipatia influenciam muito no resultado do julgamento, e é possível constatar que nem todas as escolhas são racionais, pois a emoção tem um papel extremamente relevante no processo decisório. Os sentimentos devem ser despertados através da narrativa, a fim de que os jurados optem pela decisão mais confortável.
Ingênuo é aquele que acredita que o jurado reconheceria o valor de Nelson Hungria, e perde o tempo tentando ensinar, com um pesado livro em mãos, teorias que os alunos de Direito demoram anos para aprender. E mais ingênuo ainda é aquele que se preocupa apenas com o Direito e se esquece dos fatos, da história que os jurados esperam ouvir.
Normalmente, costumo colocar as questões jurídicas na parte final do discurso, explicando como cada uma das teses se amolda à história contada, como os artigos da lei se encaixam no enredo, como serão formulados os quesitos e as respostas que espero obter em relação a cada um deles. O Direito não pode ser esquecido, mas, certamente, não é o principal.

terça-feira, 5 de maio de 2015

Doutrina: por onde começar?


A atuação na esfera criminal, em pouco tempo, evidencia que há uma crise na doutrina processual penal. Ao que parece, desde há muito tempo, os processualistas vêm repetindo, sistematicamente, o que outros processualistas escreveram no passado, compactando e resumindo, na maioria dos casos, sem estabelecer nenhum tipo de juízo crítico, asseverando, acerca dos aspectos mais controversos, que será necessário aguardar a posição da jurisprudência ou a posição definitiva do Supremo Tribunal Federal.
Afinal, qual é o papel da doutrina? Reproduzir, com outras palavras, tudo aquilo que já fora escrito e aguardar a posição da jurisprudência, com o devido respeito, é algo que somente evidencia o caráter eminentemente comercial da redação de novos livros. A doutrina deve servir como norte para a interpretação da lei e para as decisões judiciais, deve, em verdade, servir de base, conceituando, classificando, comparando e criticando aquilo que está posto, com a finalidade precípua de ensinar aos leitores.
Os autores tradicionais, repetidos á exaustão e sem nenhuma crítica, acabaram formando gerações de advogados, delegados, promotores e juízes, e muitos desses profissionais, e sobretudo os juízes, parecem ter parado no tempo, satisfeitos com os mesmos autores que lhes nortearam os estudos desde a época da faculdade. A jurisprudência, desse modo, não se renova, e os novos doutrinadores ainda insistem em aguardar essa mesma jurisprudência, auspiciosos pelo surgimentos de posições inovadoras.
Não se exige, exatamente, posições inovadoras, mas, pelo menos, posições compatíveis com a Constituição Federal de 1988, com os tratados internacionais ratificados pelo Brasil, com um Estado Democrático de Direito e com o princípio da dignidade da pessoa humana, em atenção aos direitos e garantias individuais conquistados ao longo de séculos de progresso civilizatório. Essa função incumbe à doutrina, que não pode se contentar com um papel coadjuvante, otimista, porém passivo e omisso.
A esse respeito, são valiosas as críticas trazidas por Lênio Streck. Mas o propósito desse breve artigo não é, unicamente, o de destacar essa crítica, e sim o de indicar, para aqueles que se iniciam na advocacia criminal, alguns autores que fogem á regra e podem contribuir para o aperfeiçoamento técnico, libertando o jovem advogado das amarras impostas pela graduação e abrindo novos horizontes, no afã de, quem sabe, iluminar uma nova geração de juristas e de entusiastas do processo penal.

Autores indicados:

Aury Lopes Júnior
Gustavo Henrique Badaró
Eugenio Pacelli
Antonio Scarance Fernandes
Fauzi Hassan Choukr

Há autores já renomados, conhecidos em todo o país e com uma extensa lista de serviços prestados à doutrina processual penal, e também autores que vêm se destacando há menos tempo. Essa lista não é exaustiva, e tampouco a ilustração que abre o texto, mas apenas uma indicação, um começo, para aqueles que pretendem se aprofundar. Há, ainda, clássicos que não podem deixar de ser lidos, como as obras de José Frederico Marques e de Fernando da Costa Tourinho Filho, mas sempre com uma visão crítica.