quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Prende-se mais ou menos?



Com o advento da Lei n.º 12.403, de 04 de maio de 2011, que entrou em vigor dois meses após a sua publicação, não foram poucos os que se rebelaram, bradando que ninguém mais seria preso, que os presos seriam soltos e que a sociedade estaria em risco. Houve, na época, muito sensacionalismo e opiniões infundadas.
A lei em comento, dentre outras providências, aumentou o rol de medidas cautelares alternativas à prisão e ampliou o instituto da fiança, podendo a autoridade policial arbitrá-la nos casos de crimes cuja pena máxima não seja superior a 04 (quatro) anos. Foi em virtude disso que muitos "futurólogos" imaginaram o verdadeiro caos.
Mas será que as previsões dos doutos se confirmaram? Será que ninguém está sendo preso? Será que os presos estão sendo soltos? Para encontrarmos as respostas para essas indagações, mostra-se necessário analisar os dados obtidos pela Pastoral Carcerária, que foram ratificados recentemente pelo Conselho Nacional de Justiça.
No Estado de São Paulo são feitas nove mil prisões e três mil liberações por mês, o que deságua num aumento de seis mil presidiários por mês, sem contar os outros Estados. Apenas no primeiro semestre de 2012, ou seja, após a nova lei, a quantidade de pessoas presas registrou um aumento de 35.000 (trinta e cinco mil).
Em dezembro de 2011 havia 514.000 (quinhentos e catorze mil) detentos. A população carcerária brasileira alcançou 550.000 (quinhentos e cinquenta mil pessoas), o que corresponde ao dobro do aumento registrado no ano anterior, antes da nova lei. Há, ainda, um déficit de mais de 200.000 (duzentas mil) vagas no sistema.
As cadeias já estão superlotadas, ainda há presos em delegacias e, caso fossem cumpridos todos os mandados de prisão expedidos, o sistema certamente entraria em colapso, pois é óbvio que não haveria onde colocar tanta gente. Tudo leva a crer que a lei em tela surtiu um efeito contrário ao esperado pela maioria dos especialistas.
Isso é fruto da ideologia segundo a qual o crime deve ser combatido com leis e penas cada vez mais severas, que vem sendo disseminada há mais de duas décadas. Criaram novos crimes, novas leis e penas mais severas, mas o problema continua aumentando. A verdade é que, com isso, jogaram lenha na fogueira das facções criminosas.
A prática evidencia que os operadores do Direito estão violando a lei por uma via transversa, ignorando a finalidade da norma e os fatos que ensejaram a inovação legislativa. A fiança, que foi ampliada justamente para ajudar a resolver o problema da superpopulação, está sendo arbitrada em valores incompatíveis e exagerados.
Em muitos crimes em que, antes da nova lei, a liberdade provisória era alcançada em poucos dias, fica o indivíduo preso por não possuir condições de arcar com a fiança arbitrada. A aplicação e os valores estão sendo exagerados, de modo que continua a prevalecer a ideia segundo a qual “cadeia é pra pobre”.
As previsões não se confirmaram, muitos estão sendo presos e poucos estão sendo soltos. O Estado não encontrou uma forma de lidar com o problema da criminalidade crescente, que depende muito mais de questões sociais do que de inovações legislativas. Contra os “futurólogos”, nada como o tempo, os fatos e os números.
Não se trata aqui de encontrar soluções imediatas. A população precisa ser informada, precisa tomar conhecimento a respeito desses fatos e desses números, para que não se deixe seduzir, para que não se deixe enganar. É muito mais fácil e barato punir do que educar, e essa é a lógica do sistema. Rogo para que todos saibam disso.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Lei Carolina Dieckmann


A lei n.º 12.737, de 30 de novembro de 2012, dispõe sobre a tipificação criminal de delitos informáticos, altera alguns dispositivos do Código Penal e dá outras providências. O referido texto legal entrará em vigor após decorridos 120 (cento e vinte) dias de sua publicação oficial, ou seja, apenas no início de abril de 2013.
Analisarei apenas o crime de invasão de dispositivo informático, já que a lei também trata dos crimes de interrupção ou perturbação de serviço telegráfico, telefônico, informático, telemático ou de informação de utilidade pública, e de falsificação de cartão. O objetivo é analisar a lei de acordo com a prática.
Constitui crime invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita.
A pena cominada é a de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput. Aumenta-se a pena de 1/6 a 1/3 se da invasão resultar prejuízo econômico.
Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido, a pena será de reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se não constituir crime mais grave.
Nessa hipótese, aumenta-se a pena de 1 a 2/3 se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidos. Aumenta-se a pena de 1/3 à metade, ainda, se o crime for praticado contra determinadas autoridades. Regra geral, a ação penal somente se procede mediante representação.
Essa é uma síntese da chamada "Lei Carolina Dieckman". Cabe destacar que a lei exige, como elemento subjetivo do tipo, a especial finalidade de obter, adulterar ou destruir dados ou informações. Assim sendo, se o agente invadir um computador apenas para ver as fotografias nele contidas, não incidirá no delito.
Não deixem seus computadores ligados, pois a lei exige "violação indevida de mecanismo de segurança", de sorte que, se o computador estiver ligado e não for exigida nenhuma senha, não haverá crime. Aliás, nesse tocante, pode-se entender que sequer houve invasão, já que se trata de um termo técnico que mereceria explicação.
Pergunta-se: Utilizar o computador de outra pessoa sem autorização configura invasão? Se houver violação indevida de mecanismo de segurança, como a senha por exemplo, pode-se dizer que sim, mas se a pretensa vítima esqueceu o computador ligado a resposta será negativa. De todo modo, o tipo penal me parece um pouco genérico.
Somente haverá crime em caso de invasão de dispositivo (computador, periféricos, etc). Se o autor limitar-se a invadir um perfil de rede social, um e-mail, banco de dados ou um álbum de fotografias, sem passar pelo computador da vítima, não incidirá no crime em análise. Cuida-se de um erro crasso do legislador.
A pena somente será aumentada, em caso de divulgação de dados, caso estes integrem o conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, tal como o e-mail. Se os dados estiverem em uma pasta do computador e forem divulgados, responde o autor pelo crime mais brando, cuja pena, como dito, varia de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
A vítima terá o prazo de 6 (seis) meses para oferecer representação, contados a partir do conhecimento da autoria delitiva. Mas o inquérito policial, nos termos do artigo 5.º, § 4.º, do Código de Rito, não pode ser iniciado sem que haja representação, de modo que ficará muito difícil apurar a autoria delitiva.
Isso sem contar que a apuração da autoria certamente demandará exames periciais complexos, principalmente por se tratar de infração que deixa vestígios. Considerando que a pena mínima é baixíssima, não serão poucos os casos em que se verificará a prescrição. Quando isso não ocorrer, o autor fará jus à transação penal.
Por mais estardalhaço que a imprensa faça, não será cabível a decretação de prisão temporária ou de prisão preventiva. Aliás, sequer a prisão em flagrante será viável, já que o autor dos fatos, assumindo o compromisso de comparecer em juízo, acabará sendo liberado. A prática demonstrará que a nova lei foi mal elaborada.
As principais causas de aumento previstas pela lei aplicam-se somente em caso de "obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas", a grande maioria dos institutos de criminalística não têm estrutura para a realização de perícias dessa espécie e a questão da representação suscitará controvérsias.
Digo isso com relação às fotos e vídeos íntimos, já que, em se tratando de segredos comerciais ou industrias, e de informações sigilosas, assim definidas em lei, incidirá a causa de aumento mesmo que os dados e informações estejam armazenados em uma pasta. Mas tal não se aplica à situação enfrentada pela atriz global.
Se o objetivo do legislador era evitar a prática de crimes dessa natureza, valendo-se da malfadada prevenção geral, a nova lei me parece inócua. A prevenção especial também será ínfima, razão pela qual me parece mais uma singela homenagem à atriz, ou então que o legislador, como sempre, está jogando para a torcida, o que é mais provável.   

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Dica de leitura: Processo penal constitucional


Considero a obra "Processo penal constitucional", de Antonio Scarance Fernandes, imprescindível para aqueles que se iniciam na advocacia criminal. Logo de início o autor, que é professor titular de Direito Processual Penal da Universidade de São Paulo, traz importantes considerações a respeito do paradoxo entre eficiência e garantismo, abordando a interação entre o Estado e o processo, sendo este último analisado sempre sob a ótica constitucional.
Na sequência, Scarance analisa a legislação brasileira em face das principais tendências do processo penal, o tratamento diferenciado às diversas formas de criminalidade e a internacionalização do direito processual penal. Trata do devido processo legal, da proporcionalidade, do contraditório, da publicidade, da prova, do procedimento, dos prazos, da investigação, da jurisdição, do direito de defesa, das medidas cautelares, etc.
Os temas mais relevantes da atualidade são abordados com profundidade pelo autor, de sorte que a referida obra se apresenta como um precioso instrumento de trabalho para o advogado criminalista. Sabe-se que há, ainda hoje, quem coloque a legislação infraconstitucional acima da Constituição Federal em matéria de interpretação, e o livro recomendado serve como um reforçado escudo diante desse tipo de prática, que merece ser rechaçada.
A obra me ajudou a entender o contexto atual do Direito Processual Penal, ao esmiuçar as relações entre a história do processo e os valores políticos e ideológicos da nação, evidenciando a ocorrência de processos pendulares - conforme se refere o autor - que transitam entre as ideias repressivas de segurança social e as de proteção do acusado, e de afirmação de suas garantias. É um estudo brilhante, um estímulo ao trabalho e à reflexão.
Passam-se os séculos e muitos continuam a insistir em ideias já há muito tempo ultrapassadas. É preciso pensar o processo penal a partir dos princípios, direitos e garantias que alicerçam o sistema, reconhecidos na Constituição. Fiz referência inicial aos advogados iniciantes, mas carrego comigo a certeza de que, se todos os operadores do direito enxergassem o processo penal dessa forma, teríamos, com certeza, uma sociedade mais justa e igualitária.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Preparando a sustentação oral


Em casos muito complexos me parece arriscado aguardar a intimação a respeito da inclusão do feito em pauta para dar início à preparação da sustentação oral. Eu costumo acompanhar os andamentos dos recursos e habeas corpus com periodicidade, aguardando a remessa dos autos ao relator para começar a me preparar. De qualquer modo, é óbvio que cada advogado trabalha de uma forma.
O primeiro passo é reler as razões de recurso ou a petição de habeas corpus para relembrar as principais teses e argumentos, depois costumo folhear novamente as cópias do processo, para não me esquecer dos detalhes importantes. Ao final construo um roteiro contendo apenas os principais tópicos a serem abordados na tribuna e, muitas vezes, faço um rascunho apenas para reforçar a memória.
Procuro então precedentes da Câmara a respeito do tema a ser submetido a julgamento. Isso serve para visualizar os principais argumentos contrários à tese a ser sustentada e também para fazer com que o colegiado se lembre de que já houve decisões nos termos propostos pela defesa. Contudo, em muitos casos, as decisões são desfavoráveis, então me lastreio em decisões favoráveis de outras Câmaras.
Há algum tempo atrás eu gostava de decorar os nomes dos Magistrados, imaginando que isso serviria para chamar-lhes a atenção quando das saudações iniciais. Com o tempo percebi que isso é arriscado, pois as composições mudam, há juízes convocados e, salvo nos órgãos já frequentados, não conhecia a maioria dos Desembargadores. Quando havia imprevistos, sempre me socorria dos serventuários.
Nos dias que antecedem a sustentação oral, tenho o costume de ensaiar no banho, no trânsito, no escritório e antes de dormir. Parece coisa de louco, mas sempre surgem boas ideias e inspirações. Soube, aliás, que muitos advogados costumam fazer o mesmo. Faço isso para me sentir seguro em relação ao conteúdo, à ordem dos temas e aos argumentos a serem empregados no momento da sustentação.
Minutos antes da abertura da sessão, vejo muitos advogados andando de um lado para o outro, repetindo em voz baixa suas alegações. Como já dito, cada um trabalha de um jeito, e eu hoje sou um pouco avesso a decorar, então procuro improvisar, obedecendo apenas aos tópicos do roteiro previamente estabelecido. Prefiro descontrair antes da sessão, abaixando a adrenalina.
Também gosto de ver o parecer do parquet com antecedência. Levo sempre o meu roteiro, as razões do recurso ou a petição de habeas corpus, a publicação de intimação da sessão e os andamentos processuais. Anoto o número da pauta e aguardo ser chamado. Procuro não ficar tenso e aproveito para assistir a outras sustentações orais, analisando como advogados e julgadores se portam.
Com o passar do tempo, cada advogado encontrará os seus próprios métodos, mas acredito que essas dicas podem servir como um norte, devendo ser aperfeiçoadas e modificadas de acordo com o perfil de cada um. O mais importante é dominar o assunto, conhecendo-o com profundidade, para evitar o nervosismo e os temidos lapsos de memória, treinando e praticando sempre, até alcançar um melhor desempenho.