quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Agravo nos próprios autos


Até pouco tempo atrás, era cabível o agravo de instrumento em face da decisão que nega seguimento ao recurso especial ou ao recurso extraordinário. Com o advento da Lei n.º 11.322/2012, contudo, passou a ser cabível o recurso chamado de "agravo nos próprios autos". Surge uma questão: Faz-se necessária, ainda, a indicação das peças obrigatórias e facultativas para a formação do instrumento?
Considerando que a indicação de peças era exigida justamente para a formação do instrumento, entendo que, em face da remessa do agravo nos próprios autos, não persiste a necessidade de indicação. Insta salientar que já há decisões nesse sentido no Superior Tribunal de Justiça, corroborando o entendimento ora sustentado. Apenas porque oportuno, destacarei um desses precedentes.
No Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n.º 1.417.44s/BA, relatado pela Ministra Maria Thereza de Assis Moura, a 6.ª Turma decidiu que não há mais que se falar em instrumento, pois o recurso será interposto nos próprios autos, os quais subirão com todas as peças, mostrando-se, portanto, despicienda a juntada de cópias, porquanto as peças originais subirão juntamente com os autos.
Cuidava-se, naquele caso, de um agravo de instrumento interposto antes da Lei n.º 11.322/2012, com deficiência na formação do traslado. Ficou decidido que a referida lei não poderia retroagir, com amparo no princípio tempus regit actum. Salta aos olhos, portanto, que não se pode exigir a indicação de peças para a formação de instrumento, haja vista que o recurso subirá no bojo dos autos.  
Quando da interposição do recurso, em face da digitalização dos processos nos Tribunais Superiores, costumo requerer a remessa, nos próprios autos, integralmente digitalizados, ao Tribunal competente. Os autos serão digitalizados no próprio Tribunal de Justiça, ou então serão enviados por meio físico para que sejam digitalizados na instância Superior, com a devolução dos autos à origem.
Ninguém desconhece que os Tribunais Superiores fazem de tudo para não conhecer dos recursos, então é sempre bom manter a cautela e fazer uma pesquisa na jurisprudência, já que são poucos os autores que discorrem a respeito desse tema. De todo modo, caso o agravo nos próprios autos não seja conhecido por conta da não indicação das peças obrigatórias, caberá agravo regimental para discutir a questão.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Pergunta "impertinente", tolerância zero


O juiz, presidindo a instrução, tem o poder de indeferir as provas consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias, conforme prescreve o artigo 400, § 1.º, do Código de Processo Penal. Curiosamente, verifica-se que, na prática, as provas requeridas pela acusação são sempre relevantes e pertinentes, enquanto as da defesa nem sempre merecem o mesmo tratamento por parte do juiz.
Costumo dizer que o advogado, muitas vezes, é como um boxeador que já entra no ringue com as mãos amarradas, para enfrentar um adversário extremamente preparado que conta, quase sempre, com a torcida declarada do árbitro, que em determinados momentos chega até a ajudar o seu favorito, passando uma rasteira ou permitindo um golpe baixo. A batalha é sempre desigual e nós estamos sempre errados.
Parece-me, aliás, que para alguns juízes e promotores o advogado é um ser equivocado por natureza. Mesmo quando nos escoramos na melhor doutrina, na jurisprudência dos tribunais e nos dispositivos legais, não exitam em dizer: "Mas eu entendo que isso não se aplica". Pobres dos advogados que, inseguros diante da firmeza do "Eu entendo", acabam aceitando um erro que não cometeram.
Talvez a norma hipotética fundamental imaginada por Kelsen seja esse "Eu entendo", que se coloca acima da Constituição Federal e da legislação infraconstitucional. Estamos sempre equivocados e nossas perguntas são, em sua grande maioria, ao que tudo indica, impertinentes. Antes mesmo de abrirmos a boca, brada o Magistrado: "Indefiro, impertinente". A nossa verdadeira sina é a impertinência.
Há quem insista em "pegar no pulo" a testemunha mentirosa, justificando a pertinência da pergunta, mas a justificativa serve, regra geral, como advertência à testemunha mal intencionada, que acaba se esquivando. Preparar as perguntas com antecedência, colocando-as numa ordem lógica, pode ajudar muito, mas nem isso é suficiente para evitar que o juiz as considere impertinentes.
A acusação pode fazer perguntas de caráter subjetivo, buscando as impressões pessoais da testemunha, pode induzir às respostas desejadas, pode intimidar o depoente ou refrescar-lhe a memória, lendo depoimentos anteriores, contando, quase sempre, com a complacência do juiz, cabendo à defesa insurgir-se em face dessas práticas rotineiras. Impertinentes, como já dito, são as perguntas da defesa.
É possível minimizar, mas não evitar o indeferimento de perguntas "impertinentes", já que tudo irá depender de um juízo subjetivo por parte do magistrado. Isso pode ser atribuído, em grande parte dos casos, à ordem de realização das perguntas. Apenas para ilustrar, trago uma situação enfrentada por mim recentemente, que pode ajudar os jovens advogados a sofrer menos com a sina da impertinência.
Policiais militares abordaram algumas pessoas que, segundo acreditavam, estavam envolvidas com a prática de golpes numa cidade interiorana. Como essas pessoas eram de fora, imaginaram que poderiam garantir o leitinho das crianças e resolveram praticar uma concussão, conduzindo todos, nas viaturas, até a zona rural, liberando um deles para que fosse até o banco e efetuasse um saque.
Quando a pessoa voltou ao local, trazendo apenas 1/10 do que havia sido exigido, os policiais militares deram voz de prisão em flagrante a todos pela prática dos crimes de corrupção ativa e formação de quadrilha. Como a palavra dos policiais tem muito valor, o delegado de polícia acreditou em tudo e ratificou a voz de prisão. Alguns foram soltos, outros não, mas todos foram denunciados.
Na audiência, tentando provar que houve concussão por parte dos policiais e que os acusados foram levados para a zona rural, um dos advogados, logo de cara, perguntou ao primeiro policial se havia GPS nas viaturas na data dos fatos, mas a pergunta foi considerada impertinente. Ora, qual é a relação entre os crimes de corrupção ativa e formação de quadrilha e a existência de GPS nas viaturas?
Existia uma relação, mas a ordem de formulação das perguntas estava equivocada, de modo que a Magistrada, naquele momento, entendeu que não havia pertinência. De outro lado, o policial percebeu que a história verdadeira viria à tona e já se preparou para as outras perguntas, para que pudesse justificar a ida até a zona rural. O advogado tentou pressionar, achando que o mentiroso se revelaria.
O ideal seria perguntar: A viatura permaneceu no local da abordagem? Por quanto tempo? Foram direto do local da abordagem para a delegacia? Em algum momento os acusados foram conduzidos à zona rural? Isso poderia levar a contradições entre os depoimentos dos policiais e a perícia nos aparelhos acabaria por desmenti-los. Não se deve iniciar as perguntas pelo ponto onde se quer chegar.
Basta ver o que juízes e promotores fazem com os acusados e com as testemunhas de defesa, dando corda até que a pessoa termine enforcada. Um delegado, sabendo que o acusado esteve no local do crime e antevendo um falso álibi, nunca coloca as cartas na mesa logo de cara. Primeiro ele deixa o investigado falar que estava em um local distante com outras pessoas, para depois leva-lo às contradições.
Se o investigado souber, desde o início, que o falso álibi foi rechaçado pela perícia, por exemplo, é evidente que tentará achar uma explicação. Difícil é dar uma explicação depois de afirmar que estava em outro lugar, e as contradições sempre pesam muito contra o investigado. Isso também se aplica às testemunhas mentirosas, que gostam tanto de falar, são tão eloquentes que acabam tropeçando.
Essas são apenas alguma dicas, mas ainda assim será muito difícil escapar do indeferimento das perguntas sempre "impertinentes" da defesa. O importante é não desistir da luta, independentemente do que aconteça, fazendo valer as nossas prerrogativas e reclamando sempre que necessário, fazendo constar em ata os cerceamentos impostos. O advogado bem preparado não deve se deixar abalar pelo "Eu entendo".

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Pós-graduação


O mercado de trabalho está cada vez mais competitivo, o que leva muitos advogados a partirem para um curso de pós-graduação logo após o término da graduação. Há quem imagine que um certificado ou um diploma a mais funcione como um trampolim para a carreira que se inicia. No que diz respeito à advocacia criminal, entendo que é preciso ter cautela antes de ingressar desesperadamente nessa busca.
Inicialmente cumpre lembrar que há duas modalidades de pós-graduação: lato sensu e strictu sensu. De acordo com o Ministério da Educação, as pós-graduações scrictu sensu compreendem programas de mestrado e doutorado, conferindo diploma ao final do curso, enquanto as pós graduações lato sensu abrangem programas de especialização, com duração mínima de 360 (trezentos e sessenta) horas.
Diferentemente dos programas de mestrado e doutorado, na especialização o aluno receberá, ao final do curso, apenas um certificado e não um diploma, mas isso é o que menos importa, já que o aspecto mais importante da questão diz respeito às vantagens e desvantagens práticas inerentes à opção por um curso de pós-graduação. São apenas algumas peculiaridades que precisam ser conhecidas.
A menos que o profissional tenha estagiado na área por um bom tempo e seja efetivado ao final da graduação, tendo a certeza de que pretende seguir na advocacia criminal, considero um erro ingressar na especialização imediatamente. O ideal é que o profissional decida, sem que haja espaço para dúvidas, que está disposto a se aprofundar na matéria e exercer a advocacia criminal.
É importante lembrar também que tais cursos demandam tempo, dedicação e dinheiro, e que este último requisito, na grande maioria das vezes, não surge imediatamente após a obtenção da carteira de advogado. Caso não haja um "paitrocínio", me parece arriscado assumir uma dívida antes de alcançar maior estabilidade na profissão. Um curso de especialização não garante emprego para ninguém.
De todo modo, quando não mais houver dúvida vocacional e for alcançada alguma estabilidade, pode o advogado pensar em ingressar na especialização. Considero que a pós-graduação lato sensu é suficiente para aprofundar os conhecimentos do advogado, ensinando-o a pensar o direito e não apenas a repetir o que dizem os doutos. As discussões são extremamente proveitosas e fogem do raso.
Em relação aos programas de mestrado e doutorado, segundo me foi dito por professores da especialização, é preciso dispor de muito mais tempo, dedicação e dinheiro. Além disso, tais programas voltam-se muito mais para pretensos professores do que para advogados. Quem não tem a intenção de lecionar pode deixar de lado o mestrado, ou esperar um pouco mais para ingressar no curso.
É muito difícil conciliar o início de carreira na advocacia com um curso denso como o mestrado. Audiências, prazos, julgamentos e clientes podem atrapalhar os planos até mesmo do mais dedicado dos estudantes. No meu caso, por exemplo, optei por priorizar a advocacia, adiando o ingresso no mestrado por tempo indeterminado, mas é evidente que cada pessoa tem as próprias prioridades.
Particularmente, acredito que deixar a advocacia de lado neste momento, dando maior importância para um curso de pós-graduação strictu sensu, não me traria tantos benefícios quanto investir na consolidação da carreira e no escritório. Um diploma a mais na parede não garante nada e há muitos experts que nunca colocaram a barriga no balcão. A advocacia, como sempre digo, vai muito além da ciência.
Admiro e respeito aqueles que conseguem conciliar as duas atividades logo no início da carreira com êxito, mas já cansei de ver cientistas fracassando na advocacia. Até porque a teoria, muitas vezes, não se aplica na prática. O mesmo não se aplica, evidentemente, àqueles advogados já renomados e estabilizados na profissão que optam por alçar vôos mais altos no mundo acadêmico do direito.
É ingenuidade supor que um diploma alavanca a carreira da noite para o dia, mas não ignoro que existem exceções. De todo o exposto, concluo que a especialização é fundamental, desde que exista a certeza de que se pretende seguir na advocacia criminal, mas que o ingresso em programas de mestrado e doutorado  exige maior cautela. Tudo irá depender, obviamente, das prioridades de cada pessoa.