quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Leitura de documentos em plenário


Uma questão sempre controvertida no que diz respeito ao Tribunal do Júri é aquela atinente à leitura de documento que não tiver sido juntado aos autos com antecedência mínima de 3 dias úteis, na forma do artigo 479 do Código de Processo Penal. A pergunta que não quer calar é: quais são os documentos compreendidos por essa proibição?
O citado artigo proíbe a leitura de jornais, ou qualquer outro escrito, bem como a exibição de vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui ou qualquer outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados. Aparentemente, portanto, a proibição é bastante ampla.
O Recurso Especial n.º 1303548/ES, que me chamou a atenção para o tema, trata de um caso em que o juiz presidente impediu a defesa de exibir ao Conselho de Sentença obra doutrinária de medicina legal, tendo o Desembargador convocado Adilson Vieira Macabu concluído que houve cerceamento de defesa, ficando, contudo, vencido.
Para Greco Filho "É permitida a leitura ou exibição de textos ou materiais genéricos, exemplificativos, tais como livros de doutrina ou modelos. Nada, porém, relativo ao fato concreto que esteja sendo julgado, salvo conhecimento da parte contrária com a antecedência mínima de 3 dias, a fim de que possa aquela produzir contraprova".
Parece-me que o legislador, ao referir-se a documentos e objetos, tratou de provas e de meios de prova. Considera-se prova todo meio destinado a convencer o juiz a respeito da verdade de uma situação de fato, e os meios de prova são instrumentos pessoais ou materiais aptos a trazer o processo a convicção da existência de um fato.
Um artigo publicado, contendo a opinião de um perito a respeito de um caso de homicídio, não pode ser lido no plenário de julgamento deste mesmo caso, sem que tenha sido encartado aos autos com a antecedência prevista em lei. Entretanto, o mesmo não se aplica a artigos ou livros que tratem do homicídio genericamente.
Obras doutrinárias, em regra, não constituem provas ou meios de prova, e tampouco podem ser objeto de contraprova, ficando, portanto, excluídas dessa proibição. Não fosse assim, ter-se-ia que exigir que as partes apresentassem, por escrito, com antecedência, um resumo da sustentação oral que pretendessem realizar.
É perfeitamente admissível que as partes se utilizem de uma obra para criticar o laudo oficial. Não se trata de um parecer sobre o caso concreto, ou de um novo laudo pericial, mas de textos públicos, acessíveis a quem quer que seja e, pode-se dizer, de conhecimento obrigatório para aqueles que se propõe a atuar em plenário.
Não é preciso juntar aos autos cópias de compêndios de medicina legal para que se possa afirmar para os jurados, por exemplo, que o formato da lesão descrito no laudo oficial não é compatível com uma faca. A proibição abarca, apenas, provas e meios de prova cujo conteúdo verse especificamente sobre a matéria de fato em discussão.
Sobre o tema, bem ensina Mossin que "Diante deste conteúdo normativo, por exemplo, se o documento ou o jornal não contiver em seu bojo matéria relacionada com o delito e seu autor, nada mais evidente que não há necessidade daquela comunicação prévia, podendo a parte livremente proceder a sua leitura livremente no plenário".
E continua o mesmo autor "Sem dúvida, no que tange ao uso de gráfico, não há proibição legal a respeito, podendo, desta forma, a parte utilizá-lo em plenário; bem como não há vedação legal a respeito, podendo, desta forma, a parte utilizá-lo em plenário, bem como não há vedação legal quanto à leitura de livro em plenário".
A intenção do legislador, segundo Magarinos Torrres, foi evitar "a confusão, a deslealdade infligida a uma das partes pela exibição de documento novo em plenário". Não pode a acusação, nessa esteira, exibir, de surpresa, uma carta em que a vítima narrava sentir-se ameaçada pelo réu, ou a defesa exibir algo que isente o réu.
Certa feita presenciei a acusação pedindo para que um policial militar, arrolado como testemunha, explicasse para os jurados como funciona uma arma de fogo e que é preciso imprimir força ao gatilho para que ocorra um disparo. Ora, isso deveria ter sido objeto de quesitos destinados ao Instituto de Criminalísticas, antecipadamente.
O policial, além de não ser perito oficial, foi usado pela acusação para trazer aos autos, de surpresa, um dado que não constava no laudo pericial. Também presenciei um julgamento em que a filha da vítima, durante o depoimento, tirou do bolso uma carta em que a mãe deixou assentado que, se acontecesse o pior, o culpado seria o réu.
Ouvi um colega dizer que nenhum tipo de documento poderia ser lido sem que tenha sido encartado aos autos com a antecedência prevista em lei. Ele se referia a matérias jornalísticas envolvendo inúmeros assassinatos de policiais. A meu ver, essa opinião não procede, de modo que tais matérias poderiam ser lidas em plenário.
Absolutamente tudo o que diz respeito aos debates em plenário deve ser interpretado à luz da Constituição Federal, por constituir o Tribunal do Júri uma garantia individual, dando-se especial ênfase ao princípio da plenitude de defesa. Sendo assim, criar obstáculos que a lei não prevê equivale a cercear o sagrado direito de defesa.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Recorrendo em busca da prescrição


Não vou me apegar aqui à discussão no que toca às espécies de prescrição, tampouco às questões polêmicas concernentes ao tema. Pretendo apenas tecer algumas linhas a respeito da busca pela prescrição da pretensão punitiva enquanto linha de defesa, principalmente nos Tribunais, destacando, desde logo, que essa busca nem sempre alcança os resultados pretendidos, que dependem de muitos fatores.
Sabe-se que, após a prolação da sentença condenatória, a prescrição da pretensão punitiva passa a ser regulada pela pena aplicada e não mais pela pena máxima prevista em lei. Ou seja, se um indivíduo, por exemplo, for condenado à pena de 02 (dois) anos de reclusão, a prescrição da pretensão punitiva verificar-se-á em 04 (quatro) anos. A prescrição conta-se a partir da publicação da sentença.
Em face da sentença condenatória, pode a defesa valer-se do recurso de apelação, apresentando as respectivas razões no Tribunal, de preferência, porque esse procedimento costuma ser mais lento. Julgada a apelação, pode-se interpor, conforme o caso, embargos declaratórios, ou embargos infringentes ou de nulidade, e, na sequência, recurso especial e recurso extraordinário.
Não são poucos os casos em que a Presidência do Tribunal nega seguimento ao recurso especial e ao recurso extraordinário, dando ensejo à interposição do agravo nos próprios autos. Todo esse trâmite demora aproximadamente 01 (um) ano e 06 (seis) meses, podendo-se chegar a 02 (dois) anos ou mais, em caso de remessa dos autos ao acervo. Enquanto isso, estará correndo o prazo prescricional.
Quando o agravo nos próprios autos chegar ao Superior Tribunal de Justiça, o relator poderá dar-lhe provimento, admitindo o recurso especial, poderá julgar desde logo o recurso especial, poderá inadmitir o recurso ou denegá-lo. A decisão monocrática dá ensejo ao agravo regimental e, após o julgamento, pode-se interpor embargos declaratórios, podendo ser cabíveis, ainda, os embargos de divergência.
O recurso extraordinário somente será julgado após o trânsito dos recursos no Superior Tribunal de Justiça, e nada impede que se interponha recurso extraordinário em face do acórdão proferido pelo próprio Tribunal da Cidadania. Reinicia-se então o mesmo trâmite, com o agravo nos próprios autos, agravo regimental e embargos declaratórios, sendo também cabíveis os embargos de divergência.
Os embargos declaratórios podem ser interpostos em face de quaisquer acórdãos, inclusive nos acórdãos que julgam embargos declaratórios anteriores. Pode ocorrer, contudo, de serem os embargos considerados protelatórios, resultando no reconhecimento do trânsito em julgado, em muitos casos, antes mesmo da publicação. Não obstante, esse trâmite também costuma ser muito demorado.
Nos casos em que a prescrição se verifica em 03 (três) ou 04 (quatro) anos, essa hipótese não pode ser descartada como linha de defesa, mas a tendência é que, com a digitalização dos processos nos Tribunais Superiores, isso ocorra cada vez menos. Há casos em que a prescrição deixa de ser reconhecida por uma questão de dias, razão pela qual deve-se aproveitar os prazos recursais.
Imaginem a interposição de um recurso especial no 1.º dia do prazo, que é de 15 (quinze) dias. Caso a prescrição não se verifique por 02 (dois) ou (três) dias, a precipitação na interposição do recurso terá feito toda a diferença. Também é possível, nos Estados, interpor os recursos pelo protocolo integrado, já que a juntada, nessa hipótese, demora mais para ocorrer.
O reconhecimento ou não da prescrição dependerá muito do andamento do processo, que pode demorar mais ou menos, por razões administrativas. Não é possível dizer que a prescrição ocorrerá com certeza, no entanto, como já dito, não se deve rechaçar essa linha de defesa. O Estado tem o dever de julgar em um prazo razoável, enquanto a defesa pode valer-se de todos os recursos cabíveis.