sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Informativos de jurisprudência

É senso comum que o advogado precisa estar sempre atualizado, especialmente no que diz respeito à jurisprudência dos Tribunais Superiores. Mas a pesquisa específica de jurisprudência, apenas para a aplicação em casos concretos, não é suficiente para suprir a necessidade de atualização do profissional, que precisa de meios eficazes.
Os informativos contém resumos dos julgamentos realizados pelos Tribunais Superiores, permitindo o acesso ao andamento dos processos e ao inteiro teor das decisões. Tenho o costume de selecionar os casos mais que mais me interessam, dividindo-os por temas e arquivando-os, o que facilita muito no dia-a-dia da profissão.
Por incrível que pareça, há muitos juízes e promotores de justiça que não acompanham os informativos, desconhecendo completamente as decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Essa é a razão pela qual o reconhecimento da inconstitucionalidade de alguns dispositivos demora tanto para surtir efeito.
Descobri os informativos de jurisprudência ainda na época do estágio, me cadastrei nos sites do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal e, desde então, venho acompanhando a jurisprudência. Todo mês recebo uma série de informativos jurisprudenciais, que me mantém atualizado e me previnem para casos futuros.
Recentemente, por exemplo, a 5.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça acompanhou a orientação da 1.ª Turma do Supremo Tribunal Federal, entendendo não ser cabível a interposição de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Algum desavisado poderia perder um tempo precioso, caso um writ como esse chegue à 5.ª Turma.
Mesmo discordando desse posicionamento, preciso estar precavido para que não haja surpresas indesejáveis. Trago apenas um exemplo, mas existem muitos outros, todos suficientes para comprovar a importância de acompanhar os informativos de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.
 

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Cuidado nos Tribunais


A advocacia junto aos Tribunais exige do profissional alguns cuidados, cuja inobservância certamente prejudicará a própria credibilidade e o resultado da pretensão. Enganam-se aqueles que acreditam que é possível engambelar Desembargadores e Ministros, mentindo ou omitindo fatos relevantes para o deslinde da causa apresentada.
Numa determinada oportunidade, impetrei um habeas corpus instruído apenas com as cópias do prontuário do inquérito policial, já que não tive acesso aos autos. Em função disso e da urgência, não tive como anexar à petição inicial a folha de antecedentes do paciente, que era primário, mas respondia a um processo.
Na sequência, após a distribuição, fui ao gabinete para conversar com o Desembargador e entregar um memorial, pugnando pela concessão da liminar. Depois de muita conversa, o Desembargador me perguntou a respeito dos antecedentes do paciente e eu respondi que ele estava respondendo a um processo, mas que não havia sentença.
Nesse instante ele abriu os autos e conferiu a folha de antecedentes, para ver se o que eu estava dizendo coincidia com as informações obtidas. Hoje, com o advento da internet, ou até mesmo por meio de fax, os Desembargadores podem ter acesso a qualquer peça dos autos principais, e ninguém pode desconsiderar isso.
Se por acaso eu mentisse, dizendo que ele não estava respondendo a nenhum processo, dificilmente conseguiria um resultado positivo,  e nunca mais faria jus à confiança do referido Desembargador. Fica a dica: o advogado que pretender valer-se dos famosos "embargos auriculares" deve procurar ser o mais sincero possível.
Às vezes a autoridade policial lavra o auto de prisão em flagrante mencionando um crime tentado, mas o representante do parquet conclui que o crime se consumou. Não adianta deixar de juntar a denúncia, porque o Desembargador pode perguntar se já houve denúncia apenas para verificar se o advogado é digno de confiança.
Caso o advogado minta e diga que ainda não houve denúncia, no afã de fazer crer que se trata de um crime tentado, ficará extremamente constrangido ao deparar-se com uma cópia da inicial acusatória nas mãos do Desembargador, enviada por fax minutos antes. Se isso acontecer, o indeferimento do pedido pode ser dado como certo.
A verdade, quando desfavorável, pode prejudicar uma causa, mas uma simples mentira culmina na perda da credibilidade e, consequentemente, poderá prejudicar todas as outras causas.  O advogado não pode bancar o esperto, pois é óbvio que ninguém chega a um Tribunal por sorte e ninguém lá é incauto ou inexperiente.
No meu caso, como dito, apesar de confirmar que havia um processo em andamento, argumentei que não havia sentença, que o cliente não havia sido reconhecido pela vítima e que possivelmente seria absolvido, valendo-me de questões técnicas para afastar possíveis objeções. Acredito que para tudo existe uma saída, menos para a mentira. 

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Prisão e fundamentação

Quando se fala em prisão provisória nos Tribunais Superiores, boa parte das discussões giram em torno da fundamentação da decisão que a decretou. Não é preciso muito tempo de advocacia para perceber que não adianta muito insistir naquela ladainha de "primário, com bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita", notadamente quando se trata de crimes hediondos ou equiparados.
De acordo com o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade. Modernamente, já não há mais espaço para decisões alicerçadas em argumentos genéricos como a gravidade abstrata do crime ou a periculosidade do agente. O Magistrado precisa indicar fatos concretos que recomendem a decretação ou manutenção da custódia.
Especialmente em se tratando de habeas corpus, deve o advogado dedicar-se a analisar e discutir a fundamentação da decisão combatida. Dada a quantidade de trabalho, muitos juízes se utilizam de modelos carentes de fundamentação, aplicáveis a todo e qualquer caso, e isso não pode, em nenhuma hipótese, ser ignorado pelo advogado, que precisa buscar o reconhecimento da nulidade.
Como de costume, não pretendo me ater às questões doutrinárias relacionadas à necessidade de fundamentação das decisões judiciais. Basta dizer que uma decisão carente de fundamentação é nula e que devemos insistir até o fim para vermos reconhecida a nulidade, principalmente quando nos dirigimos aos Tribunais Superiores, que costumam dar à Constituição a sua devida importância.
Consoante destacou o Ministro Ayres Brito no julgamento do habeas corpus n.º 110.844/RS: "[...] a garantia da fundamentação importa o dever judicante da real ou efetiva demonstração de que a segregação atende a pelo menos um dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal". Apelos retóricos à gravidade do crime ou à suposta periculosidade do agente não satisfazem a exigência constitucional.
O ataque à fundamentação das decisões pode funcionar como uma bala de prata, principalmente quando a ladainha de "primário, com bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita" não for aplicável ao cliente. Até mesmo a decisão que decreta a prisão cautelar do pior dos criminosos deve estar assentada em fundamentação suficiente e idônea, sob pena de nulidade, como já destacado.
É muito importante insistir. Certa feita conseguimos uma decisão liberatória através de um agravo regimental no Superior Tribunal de Justiça. Dois writs foram denegados no Tribunal de Justiça, um foi denegado e o último sequer foi conhecido no Superior Tribunal de Justiça, pois a essa altura já havia sentença no processo de origem. O agravo de instrumento em face dessa última decisão deu resultado.
Quando o Magistrado nega ao acusado o direito de recorrer em liberdade em sede de sentença, o julgamento do habeas corpus anterior costuma ficar prejudicado e por essa razão o segundo writ não foi conhecido. Argumentamos, no agravo, que a sentença não estava suficientemente fundamentada no que tange à manutenção da prisão e, portanto, era nula e não substituía a decisão anterior.
Houve êxito no Superior Tribunal de Justiça, mas os Tribunais de Justiça não costumam dar muita importância à questão da fundamentação, por isso digo que é importante insistir até o fim, interpondo os recursos cabíveis até a obtenção de uma decisão favorável. Nos casos mais graves a situação dificilmente se resolve no primeiro habeas corpus, e muitas vezes nem mesmo no segundo.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Dica de leitura: Manual prático do júri



Essa é uma dica que deixo com enorme satisfação, já que tive a felicidade de ser aluno do professor Romualdo Sanches Calvo Filho, autor da obra, no curso da Academia Paulista de Direito Criminal. Já procurei muito, mas ainda não encontrei nenhum livro que chegue perto deste quando o assunto é a prática no Tribunal do Júri.
A obra traz um breve histórico do Tribunal do Júri, trata do sumário de culpa e sua fase pré-processual, do julgamento em plenário, dos quesitos e da comunicação verbal no Júri. Além das observações técnicas, há muitos apontamentos diretamente relacionados à prática, resultantes da vasta experiência do autor.
No capítulo relacionado à comunicação verbal, o autor discorre a respeito da oratória como ferramenta imprescindível de persuasão para o tribuno, cuida da parte gestual, das saudações iniciais, da improvisação, do contato com os jurados, da postura e até mesmo da imagem, dentre muitas outras questões importantíssimas no Tribunal Popular.
Arrisco dizer que o curso da Academia Paulista de Direito Criminal, bem como o livro ora indicado, me inspiraram a criar este espaço. Eu estava cansado de participar de cursos enfadonhos e de ler livros rigorosamente científicos, limitados às questões teóricas. Os livros de prática, por outro lado, limitam-se aos modelos.
É verdade que o direito é uma ciência, mas procuro encará-lo como mero instrumento de trabalho, porque é isso o que verificamos no dia-a-dia. Conhecer a ciência é fundamental, mas apenas isso não basta. Só se aprende a advogar na prática, com a barriga no balcão, mas é sempre possível compartilhar experiências e impressões.
O mundo jurídico precisa de mais pessoas como o professor Romualdo, dispostas a compartilhar experiências, sem se prender ao egoísmo. Este livro é um claro exemplo disso, e por essa razão mostra-se imprescindível para aqueles que se iniciam na advocacia criminal e especialmente para aqueles apaixonados pelo Tribunal do Júri.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Advogados no banco dos réus

Dizia Carnelutti que "[...] a essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia é esta: sentar-se sobre o último degrau da escada ao lado do acusado" (1995, p. 5). Mas chegamos a um tempo em que o último degrau já não basta, é preciso ocupar também o banco dos réus. 
Os hipócritas, donos do dinheiro mais sujo que existe, tentaram nos ameaçar com as alterações promovidas na lei de lavagem de capitais, recriminando-nos pelo recebimento de honorários. Os tiranos batem na mesa e bradam: "O senhor será processado por desacato".
Felizmente os Tribunais ainda reconhecem que o advogado é inviolável por suas manifestações no exercício da profissão, mas alguns fanáticos não se conformam com isso, não aceitam sequer ouvir a voz da defesa, não admitem, aliás, nada que não seja a própria voz.
Quem vive a advocacia sabe que a ameaça é diária. Querem cercear a nossa palavra e até mesmo o nosso pensamento. Imaginam um advogado ideal, que não se manifesta, que se cala e que a tudo diz: "Amém". Ofendem e não aceitam retorsão ou contra-argumentação.
Recentemente um advogado foi equiparado a um rábula por um promotor de justiça, e foi denunciado por injúria após responder que "Pelo que se lê do memorial elaborado pelo parquet, causa espécie tenha seu membro sido aprovado em concurso para ingresso na carreira".
Como esse há muitos outros casos. Todos devem se lembrar da juíza que nunca ouviu falar do princípio da verdade real e da advogada que quase foi processada por desacato após dizer que essa mesma magistrada deveria voltar a estudar. Os canhões estão voltados para a advocacia.
A mensagem é bem clara: cuidado com o que pensam, dizem e escrevem. A verdade é que os fanáticos clamam, ainda que veladamente, por um processo penal que tramite sem a presença de advogados. Não nos querem no último degrau da escada, mas no banco dos réus.
Devemos tratar a todos com urbanidade, mas isso está muito longe da submissão e da passividade. O advogado deve valer-se das prerrogativas e da inviolabilidade, atuando com destemor, sem se curvar diante dessas ameaças que, ao que tudo indica, serão cada vez mais comuns.
Caso a ameaça se concretize, deve o profissional socorrer-se da Ordem dos Advogados do Brasil, a fim de trancar as investigações ou eventual ação penal, sem deixar de lado a responsabilização da autoridade coatora em virtude dos excessos e dos danos provocados.    
   

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Pressão, barganha e blefe


É inegável que a ditadura militar deixou marcas indeléveis no modus operandi da polícia brasileira. Qualquer advogado que se proponha a atuar na área criminal, cedo ou tarde, se verá diante de práticas extremamente ultrapassadas e manifestamente abusivas. Isso dificilmente acabará, de modo que nos resta aprender a trabalhar diante delas.
A pressão, a barganha e o blefe são instrumentos comuns, que podem ser empregados cumulada ou isoladamente. Podem alcançar o investigado, as testemunhas e, por incrível que pareça, até mesmo o advogado. Objetivam, quase sempre, contradições, confissões ou delações. Evidenciam, via de regra, a fragilidade das provas já obtidas.
Quando a prova é farta e suficiente, não é preciso valer-se desses artifícios. A pressão, tal como a agressividade verbal, normalmente busca contradições, a fim de evidenciar possíveis mentiras e criar uma presunção de culpabilidade em relação ao investigado, suficiente para alicerçar um pedido de prisão e até mesmo a denúncia.
Há muitas formas de pressão: perguntas repetidas centenas de vezes; longa duração da inquirição; tom de voz agressivo; ofensas; socos na mesa etc. Isso nunca deve surpreender ou assustar o advogado, que precisa manter a calma e garantir os direitos do cliente, advertindo a autoridade em caso de eventual excesso.
A barganha também é muito comum, e costuma vir acompanhada da pressão e do blefe. Exemplos: "Me ajude para que eu possa te ajudar"; "Entregue o comparsa e podemos aliviar o seu lado". Há até mesmo quem chegue a ameaçar pedir a prisão de familiares do investigado, dizendo que não fará isso se obtiver uma confissão completa.
O blefe acontece como num jogo: "Está provado, não adianta negar"; "Temos testemunhas"; "Temos gravações"; "O seu amigo já confessou e te entregou". Ora, se a prova é assim tão robusta, por que insistir na confissão? Por isso é importante pedir para ver o inquérito com antecedência e saber exatamente como os fatos ocorreram. A tese defensiva previamente estabelecida deve ser mantida.
Acompanhei, certa feita, a oitiva de um indivíduo investigado pelo Ministério Público. Depois de respondidas todas as perguntas, um dos promotores disse: "Estamos percebendo que você está protegendo alguém, as investigações estão bem avançadas e há possibilidade de prisão, tem certeza de que não tem mais nada a dizer?". Queriam, no mínimo, uma delação premiada, ou seja, não tinham nada.
Muitas vezes a pressão, a barganha e o blefe são dirigidos ao advogado, no afã de que o cliente seja então orientado a colaborar. Não é preciso ficar assustado e não se deve titubear, ainda que a polícia diga que não está acreditanto e que é tudo mentira. Isso não importa, o que importa é o que constará no papel. Uma eventual insegurança pode sugerir que a tese é inverossímil.
Quem sabe o que é melhor para o cliente é o advogado e não a polícia. Pelo menos é isso o que se espera. Se houver dúvidas a respeito do conteúdo das informações obtidas pela polícia, o silêncio surge como a melhor opção. O conhecimento das provas, uma tese verossímil e sangue frio são indispensáveis nessas ocasiões. 
 

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Quem decide é o distribuidor


Não é preciso muito tempo de advocacia para perceber que a sorte é uma boa aliada. Isso é até óbvio, mas se considerado que os conflitos levados a juízo envolvem a liberdade individual e até mesmo a vida de um indivíduo e de toda a sua família, surge a preocupação. O futuro do acusado está intrinsecamente ligado ao cartório distribuidor, que transforma a luta pela liberdade em loteria.
Casos idênticos, submetidos à mesma lei, encontram soluções diametralmente opostas quando apresentados à apreciação do Poder Judiciário. A capacidade do advogado ainda conta muito, mas não se pode deixar de reconhecer o "fator distribuidor", que acaba influenciando diretamente no destino do acusado, que depende, para ter efetivamente o direito, do juízo, câmara ou turma sorteados.
Há uma série de exemplos, dentre os quais pode-se citar a liberdade provisória e a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos para acusados de tráfico de drogas. Pouco importam o texto legal e a orientação do Supremo Tribunal Federal, o que prevalece é o entendimento desta ou daquela câmara ou turma, que pode ser contrário ou favorável ao acusado.
Duas pessoas presas pela prática do crime de tráfico de drogas, em circunstâncias idênticas, poderão ter destinos completamente diferentes. Um responderá ao processo em liberdade e ao final será contemplado com a substituição, enquanto o outro permanecerá preso, não será contemplado com a substituição e iniciará o cumprimento da pena em regime fechado. Tudo graças ao cartório distribuidor.
Como já dito em outro post, é por essas e outras que se diz que "direito é aquilo que se pede e o juiz dá". Há julgadores que, incorporando Luis XIV, no seu íntimo concluem: "A lei sou eu". Alguns chegam ao absurdo de externar esse pensamento, sem nenhum pudor. Há quem diga que ama o direito penal ou o direito processual penal, mas o direito é um produto humano e, portanto, imperfeito.
Devemos amar a advocacia, a batalha incansável pela liberdade, considerada como valor fundamental e supremo, indissociável da condição humana, mas não o direito. O direito é um produto imperfeito, aplicado por operadores imperfeitos que ignoram a própria condição, imaginando uma perfeição quase divina que jamais alcançarão. Mas sequer há direito quando a justiça depende da sorte. 
A palavra sorte, em hebraico, expressa a ideia de tempo, lugar e estudo. Ou seja, é necessário estar no lugar certo, na hora certa e preparado para o desafio. O advogado precisa estudar, se preparar, insistir e fazer o que for possível em favor do cliente, mas ainda assim depende da sorte. Mas falo da sorte tal como a concebemos, imaginando uma loteria, e não no seu sentido originário. Uma pata de coelho ou um trevo de quatro folhas talvez ajudem.