sexta-feira, 15 de maio de 2015

Tribunal do júri: storytelling


Todo processo busca, de certa forma, reconstruir um fato histórico, a fim de que o juiz possa, através das provas produzidas, formar o seu convencimento. Esse fato, aliás, conforme aponta a doutrina, é o próprio objeto do processo, ou seja, o fato criminoso imputado ao acusado. Isso também se aplica ao Tribunal do Júri, exceto no que tange à apreciação, que será realizada pelos jurados e não pelo juiz togado.
É comum verificar advogados e promotores que atuam no Tribunal do Júri quase que de maneira passiva, limitando-se à leitura de laudos, depoimentos, doutrina e jurisprudência, o que, a toda evidência, não se mostra eficaz. Nesses casos, em verdade, os jurados se mostram cansados e entediados, o que obviamente prejudica o processo de persuasão, sobretudo quando os recursos de comunicação são limitados.
Depois de assistir a alguns vídeos, conheci um método chamado de storytelling, que consiste, em resumo, na explanação de um assunto através de uma história. Pesquisei mais a respeito e, desde o primeiro júri, procurei utilizá-lo, adaptando-o, obviamente, ao contexto de cada julgamento e às necessidades de cada caso concreto. O objetivo deste artigo é, basicamente, explicar o funcionamento do método.
Sei, por experiência, que os jurados costumam considerar o perfil do acusado, o perfil da vítima e o motivo do crime, e sempre tive como pressuposto que nenhuma pessoa se sente bem diante da responsabilidade de condenar alguém, procurando, muitas vezes, encontrar algum motivo para decidir de modo a causar o menor dano possível. Uma história atraente e plausível, nesse contexto, pode dar resultado.
O jurado não se apega às vírgulas do processo e não há tempo suficiente para minúcias. É preciso contar a história para os jurados de acordo com as teses cuja admissão se pretende, prendendo-lhes a atenção e despertando-lhes a curiosidade. Não se deve, porém, incorrer em exageros ou encenações espalhafatosas, que podem refletir negativamente na credibilidade, que é um elemento muito importante.
Sempre começo pela história de vida do acusado, afinal, o réu não nasceu no dia do crime e, além disso, não deve ser tratado de maneira impessoal, distante. Também por essa razão procuro referir-me ao réu sempre pelo nome, e discorro a respeito de sua família e das circunstâncias por ele enfrentadas até o momento em que o crime ocorreu.
Conto a história da vítima, cujo passado não pode ser ignorado, e os jurados precisam conhecer os personagens principais do enredo. Pode haver, ainda, personagens coadjuvantes que desempenharam papeis relevantes no desenrolar dos fatos, os quais precisam ser identificados e individualizados, para que os jurados possam conhecê-los.
É muito importante explicar a relação entre o acusado e a vítima, o momento em que se conheceram e a relação que mantinham, ou o momento em que se encontraram, caso se trate de um evento acontecido aleatoriamente. Chega-se, enfim, aos antecedentes que levaram ao fato principal e ao próprio fato, que devem ser descritos em detalhes.
O importante é que a história seja assimilada pelos jurado e admitida como plausível. Não deve haver, num primeiro momento, preocupação com a explicação de questões técnicas envolvendo a lei, laudos periciais, doutrina e jurisprudência. É preciso, antes, criar um cenário favorável, para que o jurado possa, num segundo momento, aderir às teses.
É preciso, sem dúvida, rebater os argumentos contrários, reforçando os favoráveis, mas isso tudo também pode ser feito ao longo da explanação da história. O fundamental é que os jurados visualizem mentalmente as cenas, como se fizessem parte da história, como se pudessem sentir o que os personagens sentiam quando vivenciaram os fatos.
A empatia e a antipatia influenciam muito no resultado do julgamento, e é possível constatar que nem todas as escolhas são racionais, pois a emoção tem um papel extremamente relevante no processo decisório. Os sentimentos devem ser despertados através da narrativa, a fim de que os jurados optem pela decisão mais confortável.
Ingênuo é aquele que acredita que o jurado reconheceria o valor de Nelson Hungria, e perde o tempo tentando ensinar, com um pesado livro em mãos, teorias que os alunos de Direito demoram anos para aprender. E mais ingênuo ainda é aquele que se preocupa apenas com o Direito e se esquece dos fatos, da história que os jurados esperam ouvir.
Normalmente, costumo colocar as questões jurídicas na parte final do discurso, explicando como cada uma das teses se amolda à história contada, como os artigos da lei se encaixam no enredo, como serão formulados os quesitos e as respostas que espero obter em relação a cada um deles. O Direito não pode ser esquecido, mas, certamente, não é o principal.

terça-feira, 5 de maio de 2015

Doutrina: por onde começar?


A atuação na esfera criminal, em pouco tempo, evidencia que há uma crise na doutrina processual penal. Ao que parece, desde há muito tempo, os processualistas vêm repetindo, sistematicamente, o que outros processualistas escreveram no passado, compactando e resumindo, na maioria dos casos, sem estabelecer nenhum tipo de juízo crítico, asseverando, acerca dos aspectos mais controversos, que será necessário aguardar a posição da jurisprudência ou a posição definitiva do Supremo Tribunal Federal.
Afinal, qual é o papel da doutrina? Reproduzir, com outras palavras, tudo aquilo que já fora escrito e aguardar a posição da jurisprudência, com o devido respeito, é algo que somente evidencia o caráter eminentemente comercial da redação de novos livros. A doutrina deve servir como norte para a interpretação da lei e para as decisões judiciais, deve, em verdade, servir de base, conceituando, classificando, comparando e criticando aquilo que está posto, com a finalidade precípua de ensinar aos leitores.
Os autores tradicionais, repetidos á exaustão e sem nenhuma crítica, acabaram formando gerações de advogados, delegados, promotores e juízes, e muitos desses profissionais, e sobretudo os juízes, parecem ter parado no tempo, satisfeitos com os mesmos autores que lhes nortearam os estudos desde a época da faculdade. A jurisprudência, desse modo, não se renova, e os novos doutrinadores ainda insistem em aguardar essa mesma jurisprudência, auspiciosos pelo surgimentos de posições inovadoras.
Não se exige, exatamente, posições inovadoras, mas, pelo menos, posições compatíveis com a Constituição Federal de 1988, com os tratados internacionais ratificados pelo Brasil, com um Estado Democrático de Direito e com o princípio da dignidade da pessoa humana, em atenção aos direitos e garantias individuais conquistados ao longo de séculos de progresso civilizatório. Essa função incumbe à doutrina, que não pode se contentar com um papel coadjuvante, otimista, porém passivo e omisso.
A esse respeito, são valiosas as críticas trazidas por Lênio Streck. Mas o propósito desse breve artigo não é, unicamente, o de destacar essa crítica, e sim o de indicar, para aqueles que se iniciam na advocacia criminal, alguns autores que fogem á regra e podem contribuir para o aperfeiçoamento técnico, libertando o jovem advogado das amarras impostas pela graduação e abrindo novos horizontes, no afã de, quem sabe, iluminar uma nova geração de juristas e de entusiastas do processo penal.

Autores indicados:

Aury Lopes Júnior
Gustavo Henrique Badaró
Eugenio Pacelli
Antonio Scarance Fernandes
Fauzi Hassan Choukr

Há autores já renomados, conhecidos em todo o país e com uma extensa lista de serviços prestados à doutrina processual penal, e também autores que vêm se destacando há menos tempo. Essa lista não é exaustiva, e tampouco a ilustração que abre o texto, mas apenas uma indicação, um começo, para aqueles que pretendem se aprofundar. Há, ainda, clássicos que não podem deixar de ser lidos, como as obras de José Frederico Marques e de Fernando da Costa Tourinho Filho, mas sempre com uma visão crítica.