segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Medida cautelar em matéria processual penal


Trago à apreciação de todos uma recente experiência que pode ser muito útil àqueles que se iniciam na advocacia criminal. Por tratar-se de um caso verídico que poderá, desde logo, ser tomado como exemplo, creio que o entendimento a respeito da questão será facilitado. Cuidaremos, pois, da medida cautelar em matéria processual penal.
Pois bem, alguns indivíduos foram condenados em primeira instância ao cumprimento de uma pena de reclusão em regime inicial fechado, interpusemos recurso de apelação e a condenação foi mantida. Na sequência, interpusemos recurso especial, que não foi admitido pelo Tribunal de Justiça, levando-nos a agravar a essa decisão.
O agravo, interposto nos próprios autos, ainda não foi julgado pelo Superior Tribunal de Justiça. Ocorre que, após a digitalização dos autos, o processo físico foi devolvido ao Tribunal de Justiça, que determinou a baixa dos autos à Vara de origem. Até então, estávamos apenas aguardando o julgamento do agravo.
Na posse dos autos, o juiz da Vara de origem determinou que fosse dado cumprimento ao acórdão que confirmou a condenação e a consequente expedição de mandados de prisão, sustentando que o recurso especial não possui efeito suspensivo. Nós, que estávamos absolutamente tranquilos, fomos pegos de surpresa com a referida decisão.
Isso porque, de acordo com a Constituição Federal, ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Ora, havendo agravo pendente de julgamento, é óbvio que não há que se falar em trânsito em julgado, e essa foi a razão pela qual nos causou surpresa a expedição dos mandados de prisão.
Não se ignora que, de acordo com a legislação ordinária, o recurso especial e o agravo em recurso especial não possuem efeito suspensivo, mas a questão deve ser interpretada à luz da Constituição, e essa interpretação não permite o cumprimento antecipado da pena. Surgiu então a dúvida: o que fazer nessas circunstâncias?
No cartório os serventuários diziam que teríamos que impetrar habeas corpus, o que foi endossado por outros advogados que atuam na causa. Lembramos então da medida cautelar, prevista pelo Código de Processo Civil e também pelo Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, e foi o que fizemos, pedindo liminar.
Enquanto o habeas corpus deveria ser julgado pelo Tribunal de Justiça para que, posteriormente, conseguíssemos chegar ao Superior Tribunal de Justiça, a medida cautelar alcançaria diretamente o Tribunal Superior, e a situação era evidentemente urgente. No dia que antecedeu o recesso a liminar pleiteada foi deferida.
A Ministra relatora do agravo em recurso especial concedeu efeito suspensivo ao recurso, obstando o cumprimento dos mandados de prisão, enquanto não transitar em julgado a condenação dos acusados, que, por conta dessa decisão, sequer chegaram a ser presos. A opção pela medida cautelar foi, como se pode notar, a mais acertada.
Essa medida cautelar foi ajuizada com arrimo no artigo 798 do Código de Processo Civil e nos artigos 34, inciso V, e 288, ambos do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. Cabe lembrar, nessa esteira, por oportuno, que o Código de Processo Civil, como é sabido, aplica-se subsidiariamente ao Código de Processo Penal.
A medida cautelar tem por objetivo a proteção de direito suscetível de grave dano de incerta reparação e o seu emprego mais comum, em matéria processual penal, ocorre no sentido de conferir efeito suspensivo aos recursos que, por lei, não tenham esse efeito, tal como no recurso ordinário, no especial e no extraordinário.
Até concordo que o habeas corpus também seria cabível, mas, naquelas circunstâncias, já prevendo que o pedido de liminar em habeas corpus seria indeferido, como costuma acontecer, optamos pela medida cautelar. É uma petição não muito comum, que não costuma ser tratada com profundidade pela doutrina, mas que foi muito útil.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Trabalhar...


É impressionante como os fatos que chegam ao nosso conhecimento através da advocacia nos fazem refletir acerca de nós mesmos e da vida como um todo. Venho atuando, já há algum tempo, em um caso de homicídio ocorrido no ambiente de trabalho e confesso que a proximidade do desfecho tem despertado em mim reflexões muito interessantes, nesse caso, a respeito da própria necessidade de trabalhar.
Aliás, é mesmo uma necessidade? De acordo com as escrituras sagradas, por conta do pecado o homem foi punido: "Comerás o pão com o suor do teu rosto". Durante muito tempo o trabalho foi encarado como uma punição e os nobres orgulhavam-se por não precisarem disso. Para mim, contudo, o trabalho é um verdadeiro privilégio.
É inegável que nossos próprios instintos de sobrevivência e de preservação da espécie nos impelem ao trabalho, que nos proporciona o alimento, a moradia e a segurança de que tanto necessitamos. Mas a realização pessoal, que diz respeito ao nosso ego, à nossa auto-estima, também interferem decisivamente nesse processo.
Diz-se que o trabalho enobrece o homem, o que é verdade, na medida em que desperta a vontade de servir, de ajudar ao próximo, evidenciando que a função social do trabalho diz respeito tanto a nós quanto aos outros. Progredimos e evoluímos através do trabalho, mas também contribuímos para o progresso e a evolução da comunidade.
Lutamos em busca de melhores condições de vida, de conforto, de saúde e de educação, para nós e para os nossos. O trabalho nos dá a oportunidade de educar e de cuidar de um filho, e também a de amparar os pais, que nos ampararam por toda a vida, sempre com muito trabalho. Mas, afinal, trabalhamos para viver ou vivemos para trabalhar?
Também dizem que viver é morrer aos poucos e que quanto mais vivemos, mais nos aproximamos da morte. Em busca dos benefícios proporcionados pelo trabalho, muitas vezes, deixamos de gozar a vida em sua plenitude, nos afastando da família, dos filhos, dos pais, dos amigos, deixando de lado os momentos de lazer e até os de descanso.
Buscando melhorar de vida, perdemos em qualidade de vida e quem paga o preço, na grande maioria das vezes, é a nossa saúde. Paradoxalmente, trabalhamos para comprar roupas e carros, para irmos trabalhar. Há, portanto, aspectos positivos e aspectos negativos relacionados ao trabalho, e nós buscamos encontrar um equilíbrio.
Não sei dizer se trabalhamos para viver ou se vivemos para trabalhar, mas o fato é que o trabalho se confunde tanto com a nossa vida pessoal, ao ponto de se tornarem uma coisa só. Ainda sim não me sinto punido por isso, muito pelo contrário, fico feliz pelo privilégio de poder exercer uma profissão maravilhosa como a advocacia.
Talvez o trabalho seja uma simples vocação, um chamamento irresistível, uma inspiração, uma lei natural que nos compele ao esforço na mesma medida em que nos recompensa, ainda que às vezes tardiamente. E toda essa reflexão surgiu porque vi injustiça na história de uma mulher repetidamente humilhada em seu ambiente de trabalho.
Achei injusto, mesmo inconscientemente, e me coloquei a refletir sobre a questão. Refletindo sobre o trabalho dos outros, pensei também sobre o meu trabalho e alcancei conclusões que, embora aparentemente vagas, me fizeram valorizar ainda mais a minha profissão e também as outras. Eis aqui mais um aspecto positivo do trabalho.