quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Os absurdos da fiança

Sabe-se que a Constituição Federal considera inafiançáveis os crimes de racismo, tráfico de drogas, terrorismo e aqueles definidos como hediondos. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a vedação à fiança não pode ser entendida como vedação à liberdade, o que leva à conclusão segundo a qual, em crimes dessa natureza, é possível a concessão de liberdade provisória sem fiança.
O problema surge quando verificamos que, com o advento da nova lei, crimes menos graves, com pena máxima inferior a 04 (quatro) anos, estão recebendo tratamento mais gravoso, haja vista a exigência de fiança. Há um sem número de pessoas presas por furto e receptação, por exemplo, porque não tem condições de arcar com a fiança. A situação é manifestamente desproporcional e chega a ser absurda.
O indivíduo preso em flagrante pela prática dos crime de homicídio qualificado, latrocínio ou tráfico de drogas, por exemplo, pode ser contemplado com a liberdade provisória sem fiança, enquanto aquele preso por furto precisa pagar fiança para ser solto. Ou seja, aquele que pretende praticar um furto para "levantar um dinheiro" logo concluirá que talvez seja melhor vender drogas.
Além dessa desproporcionalidade evidente, vemos que a fiança tem sido arbitrada em valores elevados, para evitar que a pessoa seja solta. Utilizam-se as autoridades dos mais diversos malabarismos para justificar a fixação de valores que o indivíduo não terá como pagar. Cabe frisar que a lei prescreve os critérios para a fixação do valor mas, na prática, fica a critério do humor dessas autoridades.
É óbvio que alguém que recebe R$ 500,00 (quinhentos reais) para conduzir um veículo produto de crime não terá condições de pagar uma fiança arbitrada de acordo com o valor comercial do automóvel, pois se tivesse essa quantia certamente não precisaria fazer o que fez. A nova lei é mais benéfica, mas está sendo violada por uma via transversa, por mais que haja previsão de isenção ou redução.
A lei surgiu com um enfoque mais garantista, no afã de reservar a prisão para os casos mais graves, como verdadeira exceção, mas não foi bem recebida por muita gente. Temos na fiança mais uma prova de que a justiça criminal é seletiva, pois assegura a liberdade aos ricos na mesma medida em que impõe o cárcere aos pobres.
Não tenho a pretensão de travar um debate acadêmico e teórico, mas apenas de suscitar algumas reflexões a respeito do enfoque seletivo dado ao instituto. O curioso é que, nos crimes menos graves, antes dessa nova lei, a pessoa acabava solta em poucos dias. Hoje as autoridades se valem de uma lei mais benéfica para manter o indivíduo preso, apenas porque não tem dinheiro para pagar a fiança.
Aliás, a questão sequer exige um debate acadêmico ou teórico, pois basta o bom senso. Exige-se apenas um mínimo de raciocínio jurídico, o que, feliz ou infelizmente, não se aprende em sinopses de cursinho. O enfoque aqui é prático e a prática somente evidencia a derrocada da justiça criminal no país da "ordem e progresso". 

Um comentário:

  1. Excelente post Doutor. Parabéns pela reflexão e por passar essas idéias para todos nós.

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