quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Pressão, barganha e blefe


É inegável que a ditadura militar deixou marcas indeléveis no modus operandi da polícia brasileira. Qualquer advogado que se proponha a atuar na área criminal, cedo ou tarde, se verá diante de práticas extremamente ultrapassadas e manifestamente abusivas. Isso dificilmente acabará, de modo que nos resta aprender a trabalhar diante delas.
A pressão, a barganha e o blefe são instrumentos comuns, que podem ser empregados cumulada ou isoladamente. Podem alcançar o investigado, as testemunhas e, por incrível que pareça, até mesmo o advogado. Objetivam, quase sempre, contradições, confissões ou delações. Evidenciam, via de regra, a fragilidade das provas já obtidas.
Quando a prova é farta e suficiente, não é preciso valer-se desses artifícios. A pressão, tal como a agressividade verbal, normalmente busca contradições, a fim de evidenciar possíveis mentiras e criar uma presunção de culpabilidade em relação ao investigado, suficiente para alicerçar um pedido de prisão e até mesmo a denúncia.
Há muitas formas de pressão: perguntas repetidas centenas de vezes; longa duração da inquirição; tom de voz agressivo; ofensas; socos na mesa etc. Isso nunca deve surpreender ou assustar o advogado, que precisa manter a calma e garantir os direitos do cliente, advertindo a autoridade em caso de eventual excesso.
A barganha também é muito comum, e costuma vir acompanhada da pressão e do blefe. Exemplos: "Me ajude para que eu possa te ajudar"; "Entregue o comparsa e podemos aliviar o seu lado". Há até mesmo quem chegue a ameaçar pedir a prisão de familiares do investigado, dizendo que não fará isso se obtiver uma confissão completa.
O blefe acontece como num jogo: "Está provado, não adianta negar"; "Temos testemunhas"; "Temos gravações"; "O seu amigo já confessou e te entregou". Ora, se a prova é assim tão robusta, por que insistir na confissão? Por isso é importante pedir para ver o inquérito com antecedência e saber exatamente como os fatos ocorreram. A tese defensiva previamente estabelecida deve ser mantida.
Acompanhei, certa feita, a oitiva de um indivíduo investigado pelo Ministério Público. Depois de respondidas todas as perguntas, um dos promotores disse: "Estamos percebendo que você está protegendo alguém, as investigações estão bem avançadas e há possibilidade de prisão, tem certeza de que não tem mais nada a dizer?". Queriam, no mínimo, uma delação premiada, ou seja, não tinham nada.
Muitas vezes a pressão, a barganha e o blefe são dirigidos ao advogado, no afã de que o cliente seja então orientado a colaborar. Não é preciso ficar assustado e não se deve titubear, ainda que a polícia diga que não está acreditanto e que é tudo mentira. Isso não importa, o que importa é o que constará no papel. Uma eventual insegurança pode sugerir que a tese é inverossímil.
Quem sabe o que é melhor para o cliente é o advogado e não a polícia. Pelo menos é isso o que se espera. Se houver dúvidas a respeito do conteúdo das informações obtidas pela polícia, o silêncio surge como a melhor opção. O conhecimento das provas, uma tese verossímil e sangue frio são indispensáveis nessas ocasiões. 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário