segunda-feira, 10 de março de 2014

Crimes hediondos


Recentemente, tive acesso ao relatório final de uma pesquisa realizada pelo Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (ILANUD), com relação à Lei dos Crimes Hediondos. Cuida-se de um trabalho excelente, cujos resultados despertaram-me a atenção, merecendo destaque.
Sabe-se bem que a própria Constituição de 1988 preconizou a criação da Lei dos Crimes Hediondos, ao prescrever que: "a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos [...]".
No decorrer do ano de 1989 foram apresentados diversos projetos de lei relacionados à matéria e um novo projeto foi apresentado em maio de 1990, passando a tramitar sob regime de urgência. O projeto foi aprovado pelo Senado em junho e encaminhado à Câmara, que elaborou um substitutivo, contemplando os demais projetos de lei.
O substitutivo foi aprovado e retornou para o Senado, onde foi aceito, sendo a lei promulgada  pelo Presidente da República em 25 de julho de 1990. Houve, na época, reclamações de parlamentares no sentido de que não tiveram tempo para analisar o substitutivo. Nesse contexto, surgiu a Lei n.º 8072, de 25 de julho de 1990.
Não são poucos os que relacionam a criação da referida lei á repercussão do sequestro do empresário Abílio Diniz, ocorrido em 1989. O fato é que, de qualquer sorte, o texto constitucional precisava ser regulamentado, mas a pressa demonstrada não deixa de chamar a atenção, indicando que essa relação pode, de fato, ter existido.
Em 1994 a lei foi alterada, incluindo-se o homicídio qualificado no rol dos crimes hediondos. Na ocasião, os parlamentares destacaram o empenho demonstrado pela novelista Glória Perez no sentido de que a alteração fosse levada a efeito, após o assassinato de sua filha que, como é sabido, também causou grande repercussão.
Pode-se citar ainda o sequestro do publicitário Roberto Medina, em 1990, as chacinas da Candelária e de Vigário Geral, em 1993, as pílulas de farinha, em 1998, e o assassinato do menino João Hélio, em 2007, como fatos históricos que influenciaram na criação ou nas alterações levadas a efeito em relação à aludida lei.
Denota-se facilmente que as discussões em torno da lei em comento sempre se revestiram de um caráter emocional. O que importa, atualmente, é verificar se essa lei surtiu o efeito esperado, impactando nos índices de criminalidade, no sentido de diminuí-los. Será que uma lei considerada mais severa diminuiu esses índices?
De acordo com o relatório, não foi possível concluir que a Lei dos Crimes Hediondos causou o efeito esperado quando de sua aprovação, e que nem mesmo as alterações posteriores surtiram efeito no sentido de reduzir a criminalidade. O que salta aos olhos, em verdade, é que a lei contribuiu para a superpopulação carcerária.
Não é possível relacionar diretamente o fortalecimento das facções criminosas à lei em exame, mas há uma relação inegável entre esse fenômeno e a apontada superpopulação carcerária. A lei, como era de se esperar, não inibe a prática de crimes, sobretudo quando se trata de crimes não premeditados, praticados por impulso.
Prova disso é que não são poucos os casos de reincidentes específicos em crimes considerados hediondos. A verdade é que o preso só toma conhecimento da lei e de seus efeitos negativos depois de encarcerado. Ora, seria até ingenuidade imaginar que um pretenso criminoso consulta a legislação antes de optar pelo crime.
O surgimento da Lei dos Crimes Hediondos decorreu de forte pressão popular e midiática, tendo um elevado apelo emocional, mas não resolveu nada. Demais disso, a constitucionalidade dessa lei foi e é questionada até hoje, já tendo havido notáveis mudanças, a exemplo do que ocorreu com o regime integralmente fechado.
A vedação à liberdade provisória e o regime integralmente fechado, que já haviam sido considerados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, acabaram sendo revogados no ano de 2007. Ainda hoje se fala em incluir novos crimes no rol dos hediondos, como se isso fosse suficiente para acabar com a criminalidade.
A Lei  n.º 8072/1990 está prestes a completar 24 (vinte e quatro) anos, mas não é possível verificar, na prática, nenhum dado que aponte para a redução nos índices de criminalidade. O que se têm, verdade seja dita, é uma superpopulação carcerária que aumenta a cada dia e o consequente e inegável fortalecimento das facções criminosas.
As políticas criminas, especialmente no que tange à criação de leis de natureza penal e processual penal, precisam ser repensadas e reavaliadas. O legislador, na atualidade, continua agindo como no passado, cedendo às pressões mais diversas e, em grande parte, infundadas, e a população continua achando que isso resolve.

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